Eleições em 2024 em África: Desafios e oportunidades para recuperar o ímpeto democrático

O multifacetado calendário eleitoral africano de 2024 oferece oportunidades para reforçar o multipartidarismo, fazer a transição para o constitucionalismo após golpes de Estado, e rejeitar manobras superficiais


Uma manifestação da oposição em Dakar, Senegal. (Foto: AFP/Guy Peterson)

África tem um calendário eleitoral muito preenchido em 2024, com 19 países com eleições presidenciais ou gerais previstas. As eleições variam entre eleições multipartidárias competitivas e manobras eleitorais superficiais. Dois terços destas eleições estão concentradas no último trimestre do ano.

Uma série de eleições na África Austral, onde um partido dominante poderá assistir à sua primeira transição de poder, enquanto outros podem vir a perder as suas maiorias legislativas. Isto reflete potencialmente uma maturação saudável do multipartidarismo, incentivando simultaneamente a inovação nestes contextos.

Vários países do Sahel, que sofreram golpes de Estado nos últimos anos, teem previsto a realização eleições no corrente ano, como parte do calendário acordado para uma transição de poder assente na sociedade civil. O momento e a forma como estas eleições se desenrolarem podem moldar a trajetória da governação nesta região e a situação de insegurança que atualmente enfrenta.

Cerca de metade das eleições tendem a ser pouco competitivas devido a uma gestão muito controlada do processo eleitoral por parte de titulares no poder de longa data. Estes processos levantam questões autencicidade eleitoral e legitimidade do poder que daí emerge. Muitos destes países têm de ultrapassar longas heranças de governos militares diretos ou indiretos.

Estes contextos eleitorais altamente controlados colocam desafios às respectivas Comunidades Económicas Regionais, à União Africana, aos meios de comunicação social e aos intervenientes democráticos internacionais, que têm de procurar diferenciar os exercícios das eleições competitivas e, nesse processo, melhorar as normas eleitorais, sob pena de uma redução das expetativas.

Um tema comum e duradouro nestes países é um forte desejo de que os cidadãos de fazerem ouvir como parte da aspiração do continente a uma governação mais reativa, orientada para o serviço público e democrática.

Eis algumas questões a ter em conta em cada uma delas.

PaísTipo de eleiçãoData
ComoresPresidencial14 de janeiro
MaliPresidencial4 de fevereiro (adiadas)
SenegalPresidencial24 de março
ChadePresidenciais e legislativas6 de maio
África do SulGerais29 de maio
MauritâniaPresidencial29 de junho
Burkina FasoPresidencialjulho (adiadas)
RwandaPresidenciais e legislativas15 de julho
ArgéliaPresidencial7 de setembro
TunísiaPresidencial6 de outubro
MozambiquePresidenciais e legislativas9 de outubro
BotswanaGerais30 de outubro
MauríciasGerais10 de novembro
SomalilândiaPresidencial e legislativas13 de novembro
NamíbiaPresidencial27 de novembro
GanaPresidenciais e legislativas7 de dezembro
Sudão do SulPresidenciais e legislativas22 de dezembro (adiadas)
Guiné-BissauPresidencialdezembro
GuinéPresidenciais e legislativasdezembro

Adicionalmente, há quatro eleições legislativas previstas para este ano: Togo (29 de abril), Madagáscar (29 de maio) e Somália (30 de novembro).

ComorosflagComores
Presidenciais, 14 de janeiro

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O facto de Assoumani não ter respeitado os limites de mandatos prejudicou o progresso democrático e a estabilidade.

Nas primeiras eleições presidenciais africanas do ano, realizadas a 14 de janeiro, o Presidente das Comoros, Azali Assoumani, candidatou-se a um quarto mandato, com base num controverso referendo, realizado em de 2018, que lhe permitiu contornar os limites do mandato presidencial. A Constituição que se seguiu desmantelou o Acordo de Fomboni de 2001, que tinha garantido mais de 15 anos de estabilidade política no arquipélago, com cerca de 880.000 habitantes. O Acordo consagrava uma fórmula de partilha do poder que previa a rotação da presidência, após um único mandato presidencial, entre as três ilhas principais: Grande Comore, Anjouan e Moheli. Este Acordo histórico pôs termo a uma era em que as Comores sofreram 20 golpes de Estado desde a sua independência em 1975.

O facto de Assoumani não ter respeitado os limites de mandatos prejudicou o progresso democrático e a estabilidade. Além disso, a Constituição de 2018 consolidou o poder do executivo ao suprimir os cargos de três vice-presidentes, cada um representando uma das três ilhas.

2024 Comoros general elections

Apoiantes de Mohamed Daoudou (não está na imagem), líder do Partido Laranja da oposição das Comoros, reúnem-se no seu último comício em Moroni, a 10 de janeiro de 2024, antes das eleições gerais nas Comoros. (Foto: Ibrahim YOUSSOUF / AFP)

O coronel Azali Assoumani chegou ao poder pela primeira vez com um golpe de Estado em 1999, tendo subsequentemente exercido um mandato presidencial de 2002 a 2006. Após ter abandonado o cargo, as Comoros viveram três transições presidenciais pacíficas, duas das quais envolvendo transferências de poder entre partidos políticos. Isto incluiu o regresso de Assoumani à presidência em 2016. No entanto, em vez de manter o sistema rotativo de partilha de poder, em 2018 Assoumani suspendeu o Tribunal Constitucional, um órgão democraticamente eleito. Em seguida, transferiu as funções eleitorais do Tribunal Constitucional para o Supremo Tribunal, cujos membros são nomeados pelo próprio Presidente. Esta medida permitiu a Assoumani assegurar um segundo mandato consecutivo (e terceiro mandato no total) nas eleições contestadas de 2019, apesar de 12 candidatos da oposição terem rejeitado os resultados. Os observadores da União Africana e de outros países referiram que a votação foi marcada por irregularidades.

O último mandato de Assoumani foi marcado por repressões à dissidência e por restrições à liberdade de imprensa.

O último mandato de Assoumani foi marcado por repressões à dissidência e por restrições à liberdade de imprensa. Os jornalistas trabalham numa atmosfera de intimidação e no medo de serem presos, o que resulta numa autocensura generalizada. As manifestações são regularmente proibidas. Os membros dos partidos da oposição são ameaçados e detidos pela polícia e pelo exército. Esta situação levou ao abandono do país por muitos habitantes e a um aumento da migração ilegal para a ilha francesa de Mayotte. O antigo presidente e membro do partido da oposição Juwa, Ahmed Abdallah Sambi, foi condenado a prisão perpétua por acusações de corrupção em 2022, no que muitos consideram ser uma manobra política para impedir a sua candidatura às eleições de 2024.

O crescente autoritarismo de Assoumani enquadra-se num padrão de líderes africanos que conquistam o poder através de meios extraconstitucionais e que, posteriormente, violam os limites legais de permanência no poder. Estas ações não ocorrem isoladamente, são parte de uma deterioração mais ampla dos presssupostos democráticos.

Alguns dos principais partidos da oposição das Comoros apelaramm ao boicote das eleições presidenciais de 14 de janeiro. Alegaram a ausência de liberdade de voto, uma vez que a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) é vista como a favorável a Assoumani. A oposição apelou à libertação de todos os presos políticos, à substituição dos membros da CENI por um órgão independente e à não participação do exército no processo eleitoral. A oposição também boicotou a votação do referendo de 2018 e as eleições presidenciais de 2019 em protesto contra o facto de Assoumani ter minado o acordo de partilha de poder.

O crescente autoritarismo de Assoumani enquadra-se num padrão de líderes africanos que conquistam o poder através de meios extraconstitucionais e que, posteriormente, violam os limites legais ao seu tempo no poder.

Os líderes da oposição mostra-se de igual modo preocupados com o facto de Assoumani, atualmente com 65 anos de idade, estar a preparar o seu filho de 39 anos, Nour El Fath Azali, para o suceder no poder. Uma sucessão dinástica constituiria um novo revés para as árduas conquistas democráticas e para a estabilidade de que as Comoros beneficiaram durante a vigência da Constituição de 2001.



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Mali flagMali
Presidenciais, 4 de fevereiro (adiadas)

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Apesar das repetidas garantias, a junta militar do Mali voltou a adiar a realização de eleições para restabelecer um governo civil democrático.

A última promessa não cumprida seria a realização de eleições presidenciais a 4 de fevereiro de 2024. Esta data foi adiada indefinidamente em setembro de 2023 devido a “razões técnicas”. Só os mais ingénuos ficaram surpreendidos com este anúncio. A junta militar do coronel Assimi Goïta não fez qualquer esforço sério para preparar as eleições desde que derrubou o governo democraticamente eleito de Ibrahim Boubacar Keïta, em agosto de 2020. Keïta tinha ganho um segundo mandato de quatro anos em eleições credíveis em 2018, com 67% dos votos.

Goïta fez outro golpe de Estado em maio de 2021, quando o então presidente de transição Bah Ndaw e o seu primeiro-ministro, Moctar Ouane, começaram a tomar medidas para organizar eleições, em conformidade com o compromisso assumido pela junta de uma transição de 18 meses que deveria culminar em eleições em fevereiro de 2022. Depois de novas negociações e promessas com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, durante as quais a junta de Goïta pediu uma transição de 5 anos, foi fixada a data de fevereiro de 2024.

O espaço democrático reduziu-se drasticamente sob a égide da Junta.

O espaço democrático reduziu-se drasticamente sob a égide da junta. Os opositores políticos e os atores independentes da sociedade civil são intimidados, enquanto os jornalistas são ameaçados, veem as suas credenciais revogadas ou são detidos. Os meios de comunicação social são pressionados a fazer uma cobertura de “notícias patriótica”. Os meios de comunicação social nacionais e internacionais que criticaram a junta foram suspensos. Foi o caso da Radio France Internationale (RFI) e da France 24, que noticiaram violações dos direitos humanos cometidas pela junta do Mali. O efeito foi um aumento significativo da ocensura.

A junta é também contra a divulgação do acordo para a entrada de cerca de 1.000 homens do Grupo mercenário russo Wagner, com um custo mensal estiamdo de 10,9 milhões de dólares. O Grupo Wagner e a junta do Mali foram associados a mais de 300 casos de violação dos direitos humanos contra cidadãos malianos.

A junta tem tido igualmente uma atitude hostil em relação à Organização das Nações Unidas (ONU), pelo seu papel na investigação das alegadas violações dos direitos humanos no país. A junta declarou Guillaume Ngefa-Atondoko Andali, diretor para os direitos humanos da operação de manutenção da paz das Nações Unidas (MINUSMA), persona non grata em 2021 por não promover a narrativa da junta. Em 2023, A junta militar exigiu a retirada do país da MINUSMA, o principal organismo independente a expor as violações dos direitos humanos cometidas, como as alegações do massacre de 500 civis malianos pelos militares do Mali e pelo Grupo Wagner na cidade de Moura, em 2022. A segurança deteriorou-se subsequentemente em muitas das regiões do Norte e do Centro do Mali de após a saída da MINUSMA.

A junta do Mali tem conseguido controlar o espaço de informação com o apoio de campanhas de desinformação patrocinadas pelo Estado russo, que conduzem largas operações de informação expansivas no país e utilizam o espaço online para intimidar e reprimir as críticas à junta.

Em junho de 2023, a junta organizou um referendo que lhe permitiu consolidaru o poder na presidência e a integração de diferentes elementos da junta na formação de um novo governo. Inexistência de transparência e credibilidade no processo, levou ao seu boicote por parte de opositores políticos e uma grande parte da sociedade civil. Estima-se que apenas 28% dos eleitores elegíveis tenham participado.

People hold up signs that read "vote no in the referendum" during a march in Bamako, Mali.

Pessoas seguram cartazes que dizem “vote não no referendo” durante uma mnifestação em Bamako, a 16 de junho de 2023, organizada pela Associação de Imãs contra a nova Constituição apoiada pela junta. Milhares de pessoas reuniram-se numa manifestação contra a alteração da Constituição antes do referendo de 18 de junho de 2023 no Mali. (Foto: AFP/Stringer)

Apesar de diversas ações de intimidação, os grupos políticos s continuam a opor-se à tomada do poder pelos militares. A coligação política Movimento 5 de junho-Rali das Forças Patrióticas (M5-RFP) e outros grupos da oposição denunciaram o adiamento das eleições. Como observou um membro do partido da oposição: “para nós, cada extensão levará sempre a outra extensão”.

A maior conclusão a retirar do adiamento das eleições de fevereiro de 2024 pela Junta é a aparente intenção de protelar no tempo o atual governo militar. Após a independência, as forças armadas governaram o Mali durante a maior parte do período até à transição para o governo civil em 1991, deixando um legado de golpes de Estado, desenvolvimento económico anémico e repressão.

Desde o golpe de Estado de agosto de 2020, Goïta tem participado repetidamente em cerimónias públicas para reabilitar a percepção da governança militar. Pouco depois de tomar o poder, Goïta procurou o conselho do antigo ditador militar Moussa Traoré durante uma visita pública à residência deste, em Bamako. Durante as cerimónias do Dia da Independência do Mali, os soldados cumprimentaram e deram as boas-vindas ao antigo líder do golpe de Estado de 2012, o General Amadou Haya Sanogo.

Embora o adiamento das eleições de 4 de fevereiro no Mali possa ser ignorado pelos observadores, a data tem significado para muitos malianos – e para a trajetória da governação e das perspectivas democráticas do Mali.


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Senegal flagSenegal
Presidenciais, 24 de março (adiadas de 25 de fevereiro*)

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(*Veja a explicação.)


O anúncio do Presidente Macky Sall, em 3 de Fevereiro, de adiar as eleições presidenciais três semanas antes da data prevista lançou o Senegal numa turbulência política. O Senegal nunca sofreu um adiamento de eleições. Uma subsequente votação controversa da coligação governante de Sall para adiar as eleições presidenciais até 15 de dezembro teria prolongado o mandato de Sall em oito meses em relação ao limite constitucionalmente determinado. Após uma forte resistência por parte dos intervenientes nacionais e internacionais e uma decisão do Conselho Constitucional que considerou o adiamento ilegal, Sall abrandou e marcou uma nova data de eleições para 24 de março.

As eleições presidenciais de 2024 no Senegal, representam um momento crucial no percurso do país rumo a uma governança mais responsável, reativa e democrática. O Presidente Mack Sall vai abandonar o seu segundo mandato, limitado pela Constituição, e as eleições darão lugar a uma nova liderança nacional pela primeira vez em mais de uma década.

O Senegal registou progressos notáveis desde a primeira transição entre partidos em 2000, quando o presidente em exercício, Abdou Diouf, perdeu a sua candidatura à reeleição e saiu do cargo. Em 2012, registou-se mais um caso em que um candidato de um partido da oposição (Macky Sall) ganhou as eleições e assumiu o cargo — um dos indicadores de uma democracia em consolidação.

An opposition rally in Dakar, Senegal.

Uma manifestação da oposição em Dakar, Senegal. (Foto: AFP/Guy Peterson)

Um fator instrumental para o progresso democrático do Senegal tem sido a sua sociedade civil ativa e organizada, caracterizada por uma vibrante participação dos jovens, que tem responsabilizado os funcionários públicos pelo cumprimento dos limites dos mandatos e dos processos democráticos, tarefa nem sempre fácil ou simples.

O órgão de gestão eleitoral do Senegal, a Comissão Nacional Autónoma de Eleições, tem assumido uma atitude isenta e independente em termos de atuação. O atual partido no poder perdeu lugares nas eleições legislativas e municipais de 2022 e 2023, respectivamente. O primeiro é significativo na medida em que alterou o panorama legislativo, passando de uma quase super-maioria da coligação Benno Bokk Yaakaar (BBY), no poder, para uma quase paridade com uma coligação de partidos da oposição, o que exige um verdadeiro debate e compromisso. A oposição também controla atualmente as maiorias nas principais autarquias do Senegal.

Além disso, o Senegal distinguiu-se dos seus vizinhos da África Ocidental ao criar e manter um exército apolítico com uma “cultura de profissionalismo militar” e de serviço público. Este facto contribuiu significativamente para a estabilidade do país e para a confiança doscidadão. A maioria dos senegaleses, cerca de 85% diz confiar nas forças armadas. Esta percentagem é das mais elevadas no continente.

Os últimos anos do mandato do Presidente Macky Sall foram marcados por ameaças aos progressos democráticos do país.

Apesar destas louváveis qualificações democráticas, os últimos anos do mandato do Presidente Macky Sall foram marcados por uma tensão crescente e por ameaças aos progressos democráticos do país. O primeiro foi o flerte prolongado de Sall com a disputa por um terceiro mandato constitucionalmente proibido – ainda mais alimentado pela sua proposta de adiar as eleições de 2024. Muitos senegaleses viram na atitude de Sall, uma tendência para seguir os líderes africanos que contornam os limites de mandatos e minar o precedente duramente conquistado pelo país nesta matéria.

Em segundo lugar, o governo de Sall tentou impedir Ousmane Sonko, considerado um dos principais candidatos do partido Patriotas Africanos do Senegal para o Trabalho, a Ética e a Fraternidade (PASTEF), de concorrer. Sonko, Presidente da Câmara Municipal de Ziguinchor, é popular entre a juventude do Senegal pela sua retórica inflamada e por tomar posições fortes contra a corrupção. Enfrentou várias acusações, incluindo insurreição, amplamente consideradas como manobras políticas, e passou grande parte do último ano na prisão ou no hospital, na sequência de uma greve de fome para protestar contra o que considerava ser uma detenção injustificada. A repressão policial aos protestos em torno da sentença e dos julgamentos de Sonko levou supostamente a 50 mortes entre 2021 e 2023 entre esta população tipicamente pacífica. Outras centenas foram presas. Uma Lei de Amnistia aprovada nas negociações para reagendar as eleições libertaria os manifestantes políticos detidos desde 2021. Ao mesmo tempo, grupos de direitos humanos criticaram a amnistia, dizendo que exoneraria os funcionários do governo e de segurança envolvidos na repressão violenta durante o mandato de Sall.

Muitos observadores independentes consideraram as acusações contra Sonko como politicamente motivadas, uma vez que seguem um padrão, que remonta às eleições de 2019, em que a administração de Sall acusou os principais candidatos da oposição de atividades criminosas, garantindo efetivamente a desistência das suas candidaturas. Sonko, juntamente com Karim Wade (filho do ex-presidente Abdoulaye Wade), foram impedidos de concorrer em 2019 devido a acusações criminais feitas pelo governo. Wade também está impedido de concorrer em 2024 devido à sua dupla nacionalidade.

Senegal: courthouse where the trial of opponent Ousmane Sonko was being held

Polícias e “gendarmes” senegaleses à entrada do tribunal de Dakar, onde decorria o julgamento de Ousmane Sonko, a 1 de junho de 2023. (Foto: AFP/Seyllou)

A eleição presidencial é vista como aberta. O porta-estandarte da coligação BBY de Sall é o antigo primeiro-ministro Amadou Ba, antigo ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. Bassirou Faye, um inspetor fiscal de 43 anos, é o líder da festa PASTEF de Sonko.

Outros principais candidatos da oposição incluem o ex-prefeito de Dakar, Khalifa Sall, (sem parentesco com Macky Sall), o ex-primeiro-ministro (2002-2004) Idrissa Seck, ex-primeiro-ministro (2014-2019) Mahammed Boun Abdallah Dionne, prefeito da cidade de Linguere e a antiga ministra da Energia e do Interior, Aly Ngouille Ndiaye, e Anta Babacar Ngom, a única candidata mulher e chefe da maior empresa avícola do Senegal.

O Senegal emprega um sistema de votação em duas voltas, exigindo que o candidato vencedor obtenha mais de 50 por cento dos votos.

Nos últimos anos, assistiu-se também a uma pressão sem precedentes sobre os meios de comunicação social senegaleses, que há muito gozam de uma tradição de independência. Isto inclui detenções ilegais, ataques e perseguições judiciais. Vários jornalistas de renome foram acusados de perturbação da paz e de insurreição por terem criticado o governo. Os tribunais têm normalmente rejeitado estes casos, mas por vezes só depois de vários meses de detenção. Esta situação pode ter originado uma maior conteção quanto à liberdade de imprensa e de expressão, muito prezada no Senegal. O governo de Sall também bloqueou periodicamente o Facebook, o WhatsApp, o Instagram, o Telegram, o YouTube e o TikTok. De acordo os Repórteres sem Fronteiras, a classificação do Senegal em matéria de liberdade de imprensa desceu 55 lugares, passando do 49 lugar, entre 180 países, para o 104, entre 2021 e 2023.

As eleições de 2024 no Senegal constituirão uma oportunidade para reconstruir a coesão social e abordar uma série de questões estratégicas.

Espera-se que as eleições constituam uma oportunidade para os senegaleses virarem a página e se concentrarem nas prioridades futuras do país. Um dos aspetos mais importantes é a resolução do problema do desemprego jovem, cerca de 20%, apesar de o crescimento económico anual per capita ter sido, em média, de 3,4%, durante o mandato de Sall. Estas incongruências fazem parte de um padrão de desigualdades crescente sentidas no Senegal em conjunto com um elevado crescimento da população do Senegal (um ritmo de 2,5% ao ano), levando a que cerca de 43% da população tenha menos de 15 anos de idade. O Senegal também se confronta com a perda de terras aráveis devido a inundações costeiras provocadas pelo aumento do nível médio do do mar e a secas no interior, com implicações políticas diretas num país onde três quartos da mão de obra vivem da terra.

Com a ameaça crescente do extremismo violento no Mali a estender-se para oeste, o Senegal também enfrenta um risco acrescido de violência militante islâmica. Isto é reforçado por indicações de que estes grupos militantes (nomeadamente Katiba Serma) estão a tentar estabelecer-se entre as comunidades do leste do Senegal, que se sobrepõem às do outro lado da fronteira.

O Senegal também enfrenta a expansão de campanhas de desinformação patrocinadas pela Rússia que ameaçam fomentar a destabilizar a democracia, o governo e os relações internacionais s do Senegal com o Ocidente.

As eleições de 2024 no Senegal representam uma oportunidade para reconstruir a coesão social e preparar o país para novos desafios estratégicos.


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Chad flagChade
Presidenciais e Legislativas, 6 de maio

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Tudo indica que as eleições presidenciais e legislativas de maio no Chade serão um exercício altamente orquestrado para garantir a permanência do General Mahamat Déby no poder. Déby assumiu o controlo do governo do Chade através de um golpe militar em abril de 2021, na sequência da morte do seu pai, o Presidente Idriss Déby, que tinha tomado o poder num golpe de Estado 30 anos antes.

Como resultado dos meios inconsitucionais que lhe permitiram assumir o poder, Mahamat Déby tem-se debatido com um persistente défice de legitimidade. Ao assumir o poder executivo, prometeu uma transição para eleições democráticas no prazo de 18 meses. Em vez de honrar esse compromisso, organizou um Diálogo Nacional que foi fortemente controlado pelos seus lealistas. O Diálogo produziu o resultado previsível de que a transição deveria ser prolongada por mais dois anos e que os líderes da junta seriam elegíveis para integrarem o governo civil subsequente, algo que tinham inicialmente renunciado.

O Chade nunca viveu uma transição eleitoral pacífica do poder, apesar das exigências persistentes e generalizadas dos chadianos no sentido da adoção de normas democráticas.

Em 20 de outubro de 2022, os partidos da oposição, os líderes da sociedade civil e os cidadãos do Chade, empenhados na instauração da democracia e no regresso ao regime constitucional, organizaram protestos para assinalar o fim do período de 18 meses da junta. As forças armadas do Chade reprimiram violentamente os manifestantes desarmados, causando cerca de 300 mortos e centenas de detidos.

Em dezembro de 2023, dando continuidade com ao processo de transição e ignorando um boicote da oposição, a junta promoveu um referendo que lhe permitiu adoptar u uma nova Constituição, aprovar a participação de membros da junta num governo eleito e fixar novembro de 2024 como data das eleições. Esta medida seguiu-se a uma amnistia geral para todos os indivíduos responsáveis pela violência contra os manifestantes em outubro de 2022. Alguns parceiros ocidentais têm dado uma grande margem de manobra ao Chade no que diz respeito à implementação de reformas democráticas genuínas, dado o papel estabilizador que o Chade desempenha no Sahel. No entanto, os principais atores africanos estão preocupados com os efeitos da instabilidade no Chade nos seus seis vizinhos. A título de exemplo, a Comunidade Económica dos Estados da África Central, da qual o Chade é membro, tem manifestado poucas expectativas de que o Chade respeite as normas democráticas.

Uma reviravolta no ano eleitoral foi a nomeação de um dos principais líderes da oposição, Succès Masra, como novo primeiro-ministro da Junta. Líder popular do partido reformista Les Transformateurs, que foi um dos principais organizadores dos protestos de outubro de 2022, Masra fugiu do Chade após a violenta repressão dos militares. Muitos membros do seu movimento foram mortos ou presos. Posteriormente, a Junta emitiu um mandado de captura internacional contra Masra. No âmbito de um acordo negociado para permitir o seu regresso do exílio, o mandado foi revogado e 72 membros do partido da oposição detidos foram libertados.

A morte a tiro do político da oposição Yaya Dillo Djérou e de dezenas de apoiantes pelas forças de segurança, a 28 de fevereiro, constituiu um sinal claro para todos os intervenientes políticos no Chade de que Déby não irá tolerar qualquer qualquer tipo de ameaça ao seu poder. Dillo, primo de Déby, era o líder do “Partido Socialista Sem Fronteiras”, que atraiu o apoio de antigos oficiais militares de renome. Dillo era também líder influente no grupo étnico Zaghawa de Déby, que tem o seu reduto na fronteira entre o Chade e o Sudão. Dillo opôs-se fortemente ao apoio tácito do Chade às Forças de Apoio Rápido (RSF), na guerra civil do Sudão.

Women queue to cast their votes in N'Djamena, Chad.

Mulheres fazem fila para votar em N’Djamena, no Chade. (Foto: AFP)

As alterações constitucionais arbitrárias, os atrasos eleitorais prolongados, assassinatos, e a cooptação de figuras importantes da oposição, eram parte integrante do comportamento autocrático de Idriss Déby. Esta tática permitiu ao velho Déby manter a presidência durante seis mandatos, apesar de a Constituição do Chade prever um limite de dois mandatos.

Esta abordagem maleável em relação à Constituição permitiu à família Déby e aos militares, que funcionam como suporte poder, consagrar um sistema de sucessão hereditária, de forma a permanecerem no poder indefinidamente.

Esta disposição é uma das principais razões pelas quais o Chade nunca viveu uma transição eleitoral pacífica do poder, apesar das exigências persistentes e generalizadas de normas democráticas por parte dos chadianos. Esta situação contribuiu para a instabilidade persistente que o Chade tem enfrentado ao longo das décadas, com múltiplas rebeliões armadas, assassinatos políticos, crises económicas e disparidades crescentes num país de 17 milhões de habitantes, rico em petróleo, que ocupa o último lugar da classificação do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.

Mahamat Déby tem-se debatido com um persistente défice de legitimidade.

Também em 2024, o Chade terá de enfrentar a intensificação da instabilidade regional e das tensões entre fronteiras. O primeiro deles é o conflito fragmentado no Sudão. Os combates entre as Forças Armadas sudaneses e as milícias rivais RSF, lideradas por Mohamed “Hemedti” Hamdan Dagalo, que eclodiram em abril de 2023, provocaram a deslocação de mais de 700.000 refugiados sudaneses para o leste do Chade. (Isto, a somar aos 600.000 que anteriormente o Chade já recebera.) Em resposta, as forças armadas do Chade forneceram escoltas armadas a grupos humanitários que prestam assistência a estes refugiados.

Estes movimentos populacionais são sensíveis, uma vez que o Chade e o Sudão têm um historial de apoio a movimentos rebeldes nos respetivos territórios o, normalmente centrados na região de Darfur, no oeste do Sudão, que tem sido o foco dos ataques das RSF contra civis, incluindo os da tribo Zaghawa, à qual Déby pertence. Os líderes zaghawa teem exercido pressão sobre Déby para que apoie os grupos rebeldes do Darfur que resistem à RSF. Em vez disso, relatórioss indicam que Déby está a permitir que os Emirados Árabes Unidos utilizem o Chade como base de apoio para abastecer as RSF. A RSF beneficia igualmente do apoio russo proveniente da Líbia e da República Centro-Africana. Moscovo está simultaneamente ligado ao patrocínio de grupos rebeldes armados no sul do Chade.

Entre a influência russa e os governos militares no Sahel ocidental e no Sudão, o Chade poderá ser arrastado para uma dinâmica geopolítica regional e internacional que agravará ainda mais a sua instabilidade em 2024.


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South Africa flagÁfrica do Sul
Gerais, 29 de maio

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A África do Sul enfrenta em 2024 as eleições nacionais mais imprevisíveis da era pós-apartheid. Em todos os escrutínios desde 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC) venceu as eleições obtendo uma maioria parlamentar absoluta, permitindo-lhe escolher de forma independente o Presidente e iniciar a legislatura.

Isso pode mudar durante este ciclo eleitoral. As sondagens sugerem que, pela primeira vez, o ANC poderá receber menos de 50% dos votos nacionais — um padrão semelhante ao observado nas recentes eleições autárquicas e locais.

O declínio da popularidade do ANC prossegue um padrão constante observado desde 2007, atribuído auma crescente percepção de corrupção sistémica no seio do partido, à insularidade do ANC em relação aos sul-africanos comuns e uma baixa qualidade na gestão e prestação de serviços públicos, nomeadamente os apagões contínuos de eletricidade. A África do Sul também se debate com problema de desigualdades sócio-ecónomicas entre a população. Mais de 60% dos jovens entre os 15 e os 24 anos estão desempregados e muitos dos bairros urbanos da África do Sul são visivéis as carências alimentares. O longo domínio do ANC faz com que lhe sejam imputadas responsabilidade pela polução Sul africana.

O declínio da popularidade do ANC é atribuído a percepções de corrupção crescente, insularidade em relação aos sul-africanos comuns e má prestação de serviços.

Entretanto, os partidos da oposição aumentaram a sua capacidade, experiência e influência na formação de coligações, o que lhes permitiu reduzir progressivamente as maiorias parlamentares do ANC ao longo do tempo. incluindo em bastiões históricos do ANC.

A percepção de impunidade, associada ao sistema político de partido dominante, tornam o ANC — e, por conseguinte, o governo — vulnerável à captura do Estado (controlo da tomada de decisões do governo pelo sector privado ou por agentes externos). A influência da rede de interesses privados dos irmãos Gupta na administração de Jacob Zuma, carregada de clientelismo, foi a mais conhecida.

Apesar de o ANC ter substituído Zuma como líder do partido em 2018 por Cyril Ramaphos, abrindo caminho para que este liderasse o partido nas eleições de 2019, o ANC continua a ser afetado por divisões internas. Embora Ramaphosa tenha aumentado lentamente o seu apoio no seio da arquitetura partidária e venha a ser novamente o cabeça de lista nas eleições de 2024, o partido está cada vez mais fragmentado. O apoio de Zuma a um novo partido, o uMkhnoto weSizwe, é um desafio direto à liderança de Ramaphosa. Este facto surge na sequência da formação de um outro partido, o Congresso Africano para a Transformação, pelo antigo Secretário-Geral do ANC, Ace Magashule, após a sua expulsão do partido por má conduta.

Supporters of the African National Congress (ANC)

Apoiantes do Congresso Nacional Africano (ANC) reúnem-se em frente a uma mesa de voto durante a campanha de recenseamento eleitoral a nível nacional antes das eleições gerais de 2024. (Foto: AFP/Luca Sola)

Independente do número de votos que possa obter, o ANC continua a ter mais apoio do que qualquer outro partido político na África do Sul. O principal partido da oposição é a Aliança Democrática (DA), liderada por John Steenhuisen, que, segundo as sondagens, poderá obter entre um quarto e um terço do eleitorado, apoiando-se essencialmente numa plataforma de boa governança e de luta contra a corrupção. No entanto, o facto de ser um partido dominado por brancos, tende a criar uma perepção desfavorável. O DA fez uma aliança chamada Carta Multipartidária para a África do Sul com seis pequeno partidos.

O ANC enfrenta também o desafio do partido dos Combatentes da Liberdade Económica (EFF), liderado pelo ex-líder da Liga da Juventude do ANC, Julius Malema. O EFF apelou a políticas populistas como a habitação providenciada pelo Estado, a nacionalização de minas e de outros sectores estratégicos da economia e a redistribuição de terras. As sondagens sugerem que o EFF atrai cerca de 10% do eleitorado.

Em vez de votarem num partido da oposição, os apoiantes descontentes do ANC poderão simplesmente não comparecer nas urnas, contribuindo para a incerteza quanto ao desenrolar deste ciclo eleitoral.

Continua em aberto a questão de saber se os partidos da oposição podem capitalizar esses desafios e apresentar alternativas viáveis ao ANC. No entanto, a dinâmica global é tal que a África do Sul está a evoluir para uma forma de política de coligação a nível nacional. Trata-se de uma mudança radical que exige uma adaptação à partilha do poder e compromissos.

Enquanto navega por estas adaptações, a África do Sul tem a vantagem de dispor de instituições democráticas sólidas que podem proteger contra os abusos de poder. A Comissão Eleitoral independente é amplamente reconhecida como competente e imparcial. Os tribunais do país emitem regularmente decisões que limitam o excesso de poder do governo. O governo tem um Procurador Público independente e ativo que pode investigar e acusar os funcionários públicos de abusos de poder. Foi este gabinete, amplificado pelos meios de comunicação social independentes da África do Sul, pela sociedade civil e pelo envolvimento parlamentar, que levou à criação da Comissão Judicial de Inquérito sobre Alegações de Captura do Estado.

É de sublinhar que a África do Sul também beneficia de um exército apolítico e profissional que se tem abstido de se envolver em políticas partidárias.

Uma outra ameaça ao reforço da democracia sul-africana é a violência política persistente, nomeadamente os assassínatos de rivais políticos. Esta tática criminosa de obtenção de poder está a escalar em algumas regiões do país. Muitas vezes impunes, os assassinatos políticos normalizaram-se, o que, por sua vez, intensifica a polarização política. Só no ano passado, registaram-se 20 assassinatos políticos de vereadores na província de KwaZulu-Natal, muitas vezes ligados a lutas internas entre facções do ANC e entre as ramificações do partido.

As eleições na África do Sul serão um teste à capacidade do país para utilizar os processos democráticos para forjar novas alianças internas e colocar o país numa via de reforma.

As eleições sul-africanas também têm de enfrentar a perspetiva de interferência russa nas eleições, em consonância com os seus esforços noutras partes do continente. A Rússia tem estado ativa na promoção da desinformação na África do Sul para fomentar a polarização e a desilusão para com a democracia.

As eleições na África do Sul representam uma avaliação da forma como o ANC está a lidar com a evolução dos desafios sociais e económicos que o país enfrenta. Constituirão também um teste à capacidade do país para utilizar os processos democráticos para forjar novas alianças internas para enfrentar estes desafios e colocar o país numa via de reforma.


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Mauritania flagMauritânia
Presidenciais, 29 de junho

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O Presidente Mohamed Ould Cheikh Ghazouani está a candidatar-se a um segundo e último mandato de 5 anos nas eleições presidenciais da Mauritânia.

A Mauritânia tem estado numa trajetória gradual de abertura política desde 2019.

A Mauritânia tem estado numa trajetória gradual de abertura política desde 2019, quando o Presidente Mohamed Ould Abdel Aziz se ter retirado após dois mandatos como presidente do país. A saída do Presidente Aziz do cargo representou a primeira transferência pacífica de poder na história da Mauritânia, particularmente notável desde a sua chegada ao poder num golpe de Estado em 2008. Ghazouani, o sucessor escolhido por Aziz, antigo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, venceu as eleições de 2019, com 52% dos votos.

Desde 1978, a Mauritânia tem um longo legado de golpes militares e de governação autoritária, traduzindo-se numa série de governos constituidos por militares ou apoiados por militares.

É deste ponto de partida que a Mauritânia está a construir um sistema político relativamente mais pluralista e responsável. Para além das eleições presidenciais, as atenções centrar-se-ão em saber se este país de 4,5 milhões de habitantes consegue proseguir a targétória de mudança. A questão irá centrar-se no respeito pela cosntituição em termos de número de mandantos.

Nas eleições legislativas de maio de 2023, que contaram com a participação de 25 partidos, o Partido de Insaf de Ghazouani conquistou 107 dos 176 lugares, o Partido islamista Tawassoul obteve 11 e o Partido União para a Democracia e o Progresso, 10. As eleições contaram também com uma “nova coligação da oposição, constituída por grupos independentes e de defesa dos direitos humanos, organizado em torno do partido Joud.

Um sistema de representação proporcional baseado em listas nacionais, tribais e parlamentares — adotado com o contributo dos partidos da oposição em 2022 — aumentou a representação dos grupos minoritários.

A Comissão Eleitoral Nacional Independente foi reformulada em 2022, sendo vista como mais imparcial. Em 2023, o Insaf e os principais partidos da oposição chegaram a acordo sobre uma Carta de Entendimento Nacional relativa aos princípios da unidade nacional e da governação política e económica. No entanto, a maior parte dos partidos políticos da Mauritânia têm pouca expressão em termos apoiantes e, portanto, alguma incapacidade organizacional tendo em conta a escassez de recursos.

Voters wait at a polling station in Nouakchott, Mauritania

Eleitores aguardam numa assembleia de voto em Nouakchott, Mauritânia, a 13 de maio de 2023. (Foto: AFP/Med Lemine Rajel)

Embora a maior parte dos partidos da oposição ainda não tenha nomeado os seus cabeças de cartaz, um provável candidato presidencial é Biram Dah Abeid, um defensor anti-escravatura, o que terá motivados a sua prisão. Abeid ficou em segundo lugar, com 19% dos votos, nas eleições presidenciais de 2019. A Mauritânia só proibiu oficialmente a escravatura em 1981, sendo o último país do mundo a fazê-lo, embora a prática persista ainda hoje.

O ambiente mediático é relativamente aberto, embora as críticas ao partido no poder possam dar origem a perseguições e detenções.

A corrupção tem sido historicamente um problema na Mauritânia. Embora nos últimos anos se tenham registado ligeiros progressoss, existem preocupações quanto ao facto de Ghazouani utilizar as medidas anticorrupção para atingir os opositores políticos. Entre estas, contam-se as acusações feitas em 2021 contra o antigo patrono de Ghazouani, Ould Abdel Aziz, cujo caso continua a ser julgado num tribunal anticorrupção. Entretanto, os tribunais mauritanos continuam a estar sujeitos a pressões do poder executivo.

A forma como a Mauritânia gere o seu espaço político em expansão e o reforço das instituições independentes serão as principais medidas a observar.

A escalada da violência militante islâmica no Mali, em expansão para para Oeste, representa uma ameaça crescente para a segurança da Mauritânia. Em 2023, registaram-se vários incidentes de segurança na fronteira. Atualmente, a Mauritânia acolhe mais de 100 000 refugiados que fogem da violência.

A Mauritânia foi vítima de ameaças persistentes de organizações extremistas violentas (OVE) na década de 2000. No entanto, a Mauritânia é amplamente reconhecida por ter montado uma campanha eficaz de combate às OVE, que envolveu um maior profissionalismo militar, o reforço das capacidades de informação e vigilância, e uma ação proativa de combate à radicalização a nível comunitário. É provável que estes esforços continuem a ser testados em 2024.

Os investimentos da BP e da Kosmos Energy no gasoduto Greater Tortue Ahmeyim permitirão à Mauritânia abastecer a Europa e outros mercados mundiais. A Mauritânia é também um dos principais países para investimento em hidrogénio verde, noemadamente pelos dos Emirados Árabes Unidos, entre outros. O vasto território da Mauritânia e a disponibilidade de energia solar e eólica colocam-na na linha da frente para produzir 8 milhões de toneladas métricas de hidrogénio verde por ano, tornando a Mauritânia um centro energético cada vez mais importante.

Para além do desenrolar das eleições, a forma como a Mauritânia gere o seu espaço político em expansão e o reforço das instituições independentes, como o poder judicial e a comissão eleitoral, serão as principais medidas a observar em 2024.


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Burkina Faso flagBurkina Faso
Presidenciais, julho (adiadas)

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As eleições destinadas a restabelecer um governo civil democrático no Burkina Faso em julho de 2024 foram consideradas “não prioritárias” e adiadas indefinidamente pela junta militar liderada pelo Comandante Ibrahim Traoré, em setembro de 2023.

O governo democraticamente eleito de Roch Kaboré foi derrubado, em janeiro de 2022, por uma junta liderada pelo Coronel Paul-Henri Damiba. Em julho de 2022, a junta acordou um calendário de transição de 24 meses com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Depois, em setembro desse ano, Traoré, de 35 anos, depôs Damiba e substituiu a Constituição por uma carta que lhe conferia poderes unilaterais. Apesar de concordar em manter o calendário de transição previamente negociado, a recusa de Traoré em avançar com a transição, em julho de 2024, sugere a sua intenção de se manter no poder por tempo indeterminado.

As tomadas de poder extra constitucionais minaram o processo político de orientação democrática do Burkina Faso duramente conquistado, após o regime de 27 anos de Blaise Compaoré (a ele próprio chegou ao poder através de um golpe de Estado) após protestos em massa em 2014. A eleição subsequente de Kaboré, em 2015, foi de longe a mais competitiva do Burkina Faso, dando início a uma série de reformas. Entre estas, destacam-se os ganhos na construção de uma cultura de profissionalismo militar e na adoção de uma Estratégia de Segurança Nacional abrangente.

Captain Ibrahim Traoré parades in the streets of Ouagadougou

O autoproclamado líder da junta militar que governa o Burkina Faso, Capitão Ibrahim Traoré, desfila nas ruas de Ouagadougou. (Foto: AFPTV)

A instabilidade política provocada pelas intervenções militares tem um longo legado no Burkina Faso. De forma direta ou indireta, os militares assuimiram o poder durante 51 dos 64 anos de independência do país, o que torna a abertura democrática de 2014-2022 e a sua inversão ainda mais significativas.

O adiamento unilateral e indefinido das eleições de 2024 por parte da junta é coerente com o caráter ad-hoc do governo de Traoré no Burkina Faso. As leis são aplicadas de forma arbitrária e as decisões são tomadas ao sabor dos caprichos do líder da junta.

Burkina Faso conscription of journalists

Os jornalistas Yacouba Ladji Bama (à esquerda) e Issaka Lingani foram recrutados no início de novembro pela junta militar do Burkina Faso. (Fotos: Yacouba Ladji Bama e YouTube/Presse Echoes)

Isto inclui a mobilização “voluntária” de 50.000 elementos para as forças de proteção voluntária. Esta mobilização, autorizada pelo decreto de emergência de Traoré, tem sido cada vez mais utilizada como um meio de recrutamento forçado, visando jornalistas, membros de partidos políticos civis e críticos da junta da sociedade civil. Entre eles, Daouda Diallo, galardoado em 2022 com o prestigiado prémio internacional de direitos humanos, Martin Ennals, que foi raptado no final de 2023 em Ouagadougou. Mais tarde, o seu nome foi incluído nas listas de recrutamento.

O Movimento Burkinabé dos Direitos do Homem e dos Povos (MBDHP) declarou que a mobilização geral foi especificamente concebida e adotada não para contribuir na luta contra o terrorismo, mas para reprimir as opiniões críticas.

Estas ações punitivas fazem parte de uma campanha mais vasta para reprimir os meios de comunicação social e a dissidência pacífica, a fim de manter a aparência de apoio popular à junta. São suspensos os meios de comunicação social,que informam sobre a deterioração da situação de segurança no país, as violações dos direitos humanos ou a dissidência no seio das forças armadas. Esta situação tem sido acompanhada por grupos de milícias juvenis organizados pela junta para intimidar fisicamente quaisquer sinais de dissonância dos cidadãos. O efeito foi restringir drasticamente aquele que foi uma dos países com maior liberdade de impresnsa da África Ocidental.

Apesar desta intimidação, persiste a resistência dos partidos políticos da oposição e da sociedade civil historicamente robusta do Burkina Faso. Não obstante a proibição de protestos, pelo menos 15 grupos da sociedade civil e sindicatos denunciaram coletivamente o adiamento das eleições. Embora o espaço para a dissidência seja limitado, há uma percepção crescente no Burkina Faso de que a junta não tem qualquer intenção de abandonar o poder e que, o que era visto como um processo transitório, deverá perdurar indefinidamente com a atual trajetória.

Apesar da intimidação da junta, persiste a resistência dos partidos políticos da oposição e da sociedade civil historicamente robusta do Burkina Faso.

Outro exemplo da falta de responsabilização da junta é o aumento das violações dos direitos humanos associados à atuação das  forças armadas. Grande parte destas ações tem como alvo as comunidades consideradas apoiantes da insurreição militante islâmica que ultrapassou as fronteiras do do Mali e tem vindo a espalhar-se pelo Burkina Faso. Entre estes, conta-se um incidente na aldeia de Karma, em abril de 2023, no qual 156 aldeões, incluindo mulheres e crianças, terão sido massacrados pelos militares.

A segurança piorou drasticamente no Burkina Faso desde os golpes de Estado. Desde 2022, o número de eventos violentos envolvendo militantes islâmicos duplicou e o número de vítimas mortais triplicou (estima-se que, em 2023, 5.000 pessoas tenham sido mortas no Burkina Faso). A instabilidade provocou a deslocação de mais de 2,1 milhões de burquinenses (cerca de 10% da população). O efeito traumático desta violência na mentalidade da população burquinense é particularmente chocante, tendo em conta que o Burkina Faso tinha conseguido evitar qualquer tipo de violência organizada significativa desde a sua independência.

Os grupos militantes islâmicos (Ansaroul Islam e Estado Islâmico no Grande Sahara), responsáveis por grande parte desta violência, cercaram pelo menos 36 cidades burquinenses e controlam mais de metade do país, avançando inexoravelmente para a capital, Ouagadougou. A violência dos militantes islâmicos também se intensificou ao longo das fronteiras meridionais do Burkina Faso com os países costeiros da África Ocidental, o Benim e o Togo.

Para fazer face a esta crescente ameaça à segurança nacional, a junta militar do Burkina Faso dissolveu incongruentemente as parcerias de segurança na região e a nível internacional (incluindo com o G-5 Sahel e a CEDEAO).

O adiamento da transição para um governo civil por parte da junta de Traoré tem profundas implicações a nível da segurança nacional e regional. A nível interno, o país está a atrasar o restabelecimento de uma autoridade legítima que possa mobilizar um esforço credível e sustentado de toda a sociedade, necessário para derrotar os grupos militantes. Um governo democrático estaria também numa posição mais favorável para reunir o apoio político, financeiro e de segurança da CEDEAO e dos parceiros internacionais, necessário para mitigar a situação de insurreição, ultrapassando a capacidade das forças armadas do Burkina Faso para a enfrentarem de forma unilateral. Além disso, a decisão põe em risco uma nova escalada de violência no Burkina Faso, comprometendo diretamente a segurança dos seus vizinhos do sul, o Benim, o Togo, a Costa do Marfim e o Gana.


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Rwanda flagRuanda
Presidenciais e Legislativas, 15 de julho

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Prevê-se que as eleições do Ruanda em 2024 sejam um exercício eleitoral bem gerido. O Presidente Paul Kagame foi declarado vencedor das eleições de 2017 com 99% dos votos e é pouco provável que os resultados variem muito durante este ciclo. Os observadores independentes concluíram que o anterior processo eleitoral foi marcado por numerosas irregularidades, incluindo intimidação política, práticas de registo injustas e alegadas fraudes durante a própria votação.

Rwanda President Paul Kagame.

O Presidente do Ruanda, Paul Kagame. (Foto: Veni Markovski)

Kagame governa o Ruanda desde 1994, tendo chegado ao poder na sequência do genocídio de cerca de 800.000 tutsis e hutus moderados. Este será o quarto mandato oficial de Kagame, de 66 anos. Uma polémica alteração constitucional em 2015 permitiu-lhe contornar a disposição em vigor relativa ao limite de dois mandatos de 7 anos e candidatar-se a dois mandatos adicionais de 5 anos, o que pode levar a uma permanência no poder por um período de 40 anos. Esta contorno do limite de mandatos fez parte de uma onda de evasão de limites de mandatos em África que começou em 2015, e invertendo um período de respeito pelos limites de mandatos. Em termos práticos, Kagame está em posição de permanecer presidente para toda a vida.

A Frente Patriótica Ruandesa (RPF), no poder, tem impedido a candidatura de sérios candidatos através de intimidações, detenções e ações judiciais. Atualmente, o único outro candidato que concorre à presidência nas eleições de 2024 é Frank Habineza, do Partido Verde Democrático do Ruanda. Recebeu menos de 1% dos votos nas eleições de 2017 e o seu partido detém 2 dos 53 lugares na câmara baixa do Ruanda, a Câmara dos Deputados.

Uma das mais ferozes críticas de Kagame, Victoire Ingabire Umuhoza, manifestou o seu interesse em candidatar-se. No entanto, está impedida de entrar no país devido a uma acusação por “incitar ao divisionismo e conspirar contra o governo”, uma acusação que a maioria dos observadores e o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e das Pessoas, consideram ter motivações políticas. Ingabire cumpriu um total de 8 anos de prisão até 2018, altura em que foi libertada com base num perdão presidencial.

Os ruandeses que vivem no estrangeiro abstêm-se de participar no ativismo político e vivem com medo de ataques contra eles ou contra os seus familiares no Ruanda.

O Ruanda desenvolveu uma reputação não só de intimidar os opositores internos, mas também de ameaçar os críticos no exílio, incluindo ataques e execuções extrajudiciais. Por conseguinte, os ruandeses que vivem no estrangeiro praticam a auto-censura, abstêm-se de ativismo político e vivem com medo de ataques contra eles ou contra familiares no Ruanda. O governo criminalizou a “criação de uma opinião internacional hostil” sobre o governo do Ruanda.

Os meios de comunicação social no Ruanda são fortemente controlados e aqueles que se dedicam a reportagens independentes estão sujeitos a acusações criminais e intimidações. As revisões do código penal, em 2018, criminalizaram as caricaturas e os escritos que “humilham” líderes ruandeses. À medida que mais jornalistas ruandeses se exilam e tentam escrever a partir de fora do país, o governo foi bloqueando cada vez mais o acesso a serviços noticiosos e a Websites fora do país.

Na prática, o poder judicial carece de independência. Os altos funcionários judiciais são nomeados pelo Presidente e aprovados pelo Senado, dominado pelo RPF.

As forças armadas continuam a ser uma das instituições políticas mais poderosas do país, com vários líderes militares na corrida para ar a sucessão de Kagame. Pensa-se que este facto está na origem da decisão de Kagame de remodelar a hierarquia militar e reformar 83 oficiais superiores do Ruanda, incluindo 12 generais, na sequência da vaga de golpes de Estado em África.

A política externa do Ruanda tem como principal objetivo manter a influência no leste da RDC.

Os “securocratas”? são influentes na definição da política externa do Ruanda. O objetivo principal é manter a influência no leste da República Democrática do Congo (RDC), onde o governo ruandês pretende impedir que as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), dos nacionalistas hutus, voltem a ganhar terreno. O Ruanda tem sido acusado de apoiar os rebeldes M23, uma força desestabilizadora fundamental no leste da RDC. A escalada desse conflito — motivada pelas rivalidades entre os líderes do Ruanda, da RDC e do Uganda — ameaça empurrar a região dos Grandes Lagos para outra Guerra do Congo.

O exército ruandês tem sido um elemento central da política externa do país nos últimos anos, através do seu emprego em a operações de paz das Nações Unidas, como o país africano com maior número militares integrados. O Ruanda também ganhou apoio regional e internacional através do seu apoio a operações de contra-insurreição na República Centro-Africana e em Moçambique, em troca de honorários e contratos comerciais.

Não é de esperar que os atos eleitorais de 2024 no Ruanda possam gerar alterações. No entanto, há muito para acompanhar no Ruanda em 2024, desde os Grandes Lagos até ao resto do continente.


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Algeria flagArgélia
Presidenciais, 7 de setembro

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A escolha das presidenciais na Argélia está a transformar-se num evento eleitoral muito bem gerido. As forças armadas da Argélia têm sido o ator político dominante neste país, estrategicamente importante do Norte de África durante décadas, assegurando a manutenção no poder da Frente de Libertação Nacional (FLN). O Presidente Abdelmadjid Tebboune, antigo primeiro-ministro do antigo governante Abdelaziz Bouteflika, representa a perpetuação desta estrutura de poder. Um novo mandato representaria o seu segundo e último mandato constitucionalmente previsto.

Abdelmadjid Tebboune.

Abdelmadjid Tebboune. (Foto: Duma)

Neste país de 45 milhões de habitantes, o poder continua fortemente consolidado no seio do executivo. O Presidente nomeia um terço da câmara alta da legislatura e pode vetar qualquer legislação, sendo necessária uma maioria de três quartos para a anular. Por conseguinte, só a legislação apoiada pelo Presidente pode avançar. Enquanto presidente do Conselho Superior da Magistratura, Tebboune nomeia e exonera juízes. A Presidência controla igualmente todos os organismos reguladores, incluindo os responsáveis pelo controlo das despesas públicas. Assim, o executivo controla efetivamente os três poderes do Estado, bem como a toda a burocracia.

O Presidente nomeia também todos os membros da comissão eleitoral, a Autoridade Nacional Independente para as Eleições, que é vista como apoiante do partido no poder.

O ambiente eleitoral caracteriza-se pela supressão ativa dos meios de comunicação social independentes. Apesar de uma nova lei de reforma dos meios de comunicação social, adotada em 2023, jornalistas proeminentes continuam presos pelas suas críticas ao governo, sob a acusação de incitarem a protestos e atentarem contra a unidade nacional. Esta situação criou um clima de medo, vigilância e autocensura, contribuindo nos últimos anos para o encerramento de meios de comunicação independentes, como a Liberté e a Radio M.

As forças armadas argelinas têm sido o ator político dominante durante décadas. O Presidente Tebboune representa a perpetuação desta estrutura de poder.

Apesar destas pressões, a Argélia continua a exigir fortemente a democracia. As manifestações pacíficas generalizadas, que duraram meses, exigindo reformas políticas básicas, como a liberdade de expressão e de reunião, foram acompanhadas por uma secção transversal de secularistas, islamistas, profissionais e uma diversidade de grupos étnicos, conhecidos como os protestos Hirak de 2019. Embora estes tenham conseguido forçar o o antigo presidente Bouteflika a demitir-se, as forças armadas conseguiram mediar a transição para Tebboune.

Com o início da COVID, os protestos foram posteriormente cancelados. No entanto, o governo prendeu líderes da oposição política e da sociedade civil que se presume ter estado na origem s do movimento de protesto. Entre eles está Mohamed Benhalima, um antigo oficial do exército que fugiu do país em 2019 depois de participar nos protestos Hirak, mas que foi posteriormente extraditado de Espanha para a Argélia. Benhalima denunciou publicamente a corrupção no seio das forças armadas e foi condenado a 12 anos de prisão por um conjunto inicial de três acusações, podendo ainda ser condenado à morte por um tribunal militar sob a acusação de “espionagem e deserção

Demonstrations against military rule in Algiers, Algeria

As manifestações de Hirak contra o regime militar em Argel, Argélia. (Foto: Anistmz)

Em resposta à situação política caracterizada por medidas excessivas, muitos argelinos boicotaram as eleições presidenciais de dezembro de 2019, um referendo de 2020 e as eleições parlamentares de 2021. Tebboune captou o tom político no rescaldo das eleições parlamentares, que registaram uma baixa taxa de participação, de 30%, ao afirmar que a participação não é tão importante como os resultados.

A Argélia foi um dos primeiros países a adotar o multipartidarismo no Norte de África, com a realização de eleições nacionais bastante disputadas em 1991, das quais a Frente Islâmica de Salvação (FIS) saiu vencedora. Não querendo tolerar este resultado, as forças armadas impediram a tomada de posse do FIS, dando início a uma guerra civil causando um número estimado de 100.000 a 200.000 mortos e à instauração do governo de Bouteflika em 1999.

A Argélia é o segundo maior produtor de petróleo de África, com os hidrocarbonetos a gerarem 60% das receitas do Estado. Mantém três rotas principais para o transporte de petróleo e gás natural para a Europa. Entretanto, a Argélia depende da Rússia para mais de 70% das suas importações de armas.

Estas correntes cruzadas geoestratégicas e as reivindicações reprimidas de uma maior participação política popular põem em evidência as tensões e o dinamismo em curso na Argélia, ainda que tal seja apenas visível à superfície.


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Tunisia flagTunísia
Presidenciais, 6 de outubro

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A Tunísia é um dos países africanos que registou o declínio mais acentuado da governança democrática desde o seu último ciclo eleitoral, rivalizando com os golpes militares contra governos democráticos na África Ocidental. A dissolução do Parlamento pelo Presidente Kaïs Saïed, em 2021, e o subsequente governo por decreto podem, de facto, ser melhor descritos como um autogolpe (o desmantelamento das instituições democráticas por um líder eleito).

Como candidato em 2019, o antigo académico de direito candidatou-se como um outsider não filiado em nenhum partido político. Saïed venceu a segunda volta do escrutínio, o que lhe conferiu legitimidade e atesteou o nível de maturidade da democracia tunisina, permitindo uma transição ininterrupta do poder do partido Nidaa Tounes.

As tentativas de restaurar a democracia estarão no centro das atenções nas eleições na Tunísia.

Como elemento independente, Saïed trabalhou com um parlamento controlado por partidos da oposição. O Ennahda, que ganhou mais lugares do que qualquer outro partido, tem sido um dos principais atores das reformas na Tunísia desde o derrube do ditador Zine el Abidine Ben Ali, em 2011. Enquanto representantes eleitos pelo povo, estes partidos parlamentares também ganharam legitimidade para liderar a nação.

De facto, a Constituição da Tunísia de 2014 criou um sistema semi-presidencialista em que o parlamento elege o primeiro-ministro, o qual depois seleciona os ministros e lidera o governo. O Presidente é o Chefe de Estado. Este acordo foi uma resposta direta ao excesso de poder executivo e à impunidade que caracterizaram os 24 anos de governo de Ben Ali.

Insatisfeito com este acordo de partilha de poder, Saïed declarou uma situação de emergência e suspendeu o Parlamento em 25 de julho de 2021, enviando tanques para o efeito. Demitiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi e assumiu o controlo das funções do governo e do Estado — em violação direta da Constituição — e começou a governar por decreto. Em outubro de 2021, Saïed elegeu Najla Bouden para o cargo de primeira-ministra, que responde perante ele sem aprovação parlamentar.

Posteriormente, tem vindo a atacar de forma sistemática e continuada todas as instituições democráticas da Tunísia, arduamente edificadass. A sua abordagem tem sido, aparentemente, a de dissolver qualquer instituição que sirva de supervisão ou controlo ao seu poder.

Kaïs Saïed.

Kaïs Saïed. (Foto: Houcemmzoughi)

Quando a maioria dos deputados convocou uma reunião online em março de 2022 (durante a COVID) para votar a legalidade das medidas de emergência de Saïed, este dissolveu formalmente o Parlamento.

Reconhecendo que a Constituição era um obstáculo ao seu estilo de governação, Saïed suspendeu-a em setembro de 2021. Em 2022, supervisionou a redação de uma nova Constituição que recriou um sistema presidencial unitário com o Presidente como chefe de Estado e de Governo. Considerando que as ações de Saïed eram ilegais e ilegítimas, os partidos da oposição boicotaram o referendo constitucional, que registou apenas 31% de participação. As eleições parlamentares que se seguiram, mais uma vez boicotadas pela oposição, deram a Saïed o parlamento que ele queria.

Saïed dissolveu o Conselho Superior da Magistratura profissional, em fevereiro de 2022, substituindo-o por um órgão por si nomeado. Em junho, emitiu um decreto que permite ao Presidente demitir e nomear unilateralmente magistrados, uma autoridade que a controversa Constituição de 2022 integraa.

No período que antecedeu o referendo constitucional, Saïed substituiu o comité executivo da respeitada Alta Autoridade Independente para as Eleições. A votação do referendo foi, por consequência marcada pela falta de transparência, por erros de cálculo e pela impossibilidade de os opositores ao referendo fazerem campanha livremente.

Sem qualquer preocupação em demonstrar transparência ou equidade nas próximas eleições, Saïed proibiu os observadores eleitorais internacionais de acompanharem o processo eleitoral de 2024.

Quando os meios de comunicação social, a sociedade civil ou os líderes empresariais criticam o governo, são acusados de “conspiração contra a segurança do Estado” ou de serem “terroristas” e são detidos. Neste processo, Saïed politizou os agentes de segurança do Estado para executarem a sua agenda política contra os rivais internos. Este facto inverte outra reforma fundamental do período pós-Ben Ali — a criação de umas forças armadas mais apolíticas e profissionais.

Kaïs Saïed tem vindo a atacar de forma sistemática e continuada todas as instituições democráticas da Tunísia, conquistadas a duras penas.

Em novembro de 2023, o Parlamento de Saïed apresentou um projeto de lei para restringir severamente a sociedade civil, numa tentativa de limitar ainda mais o espaço democrático.

Saïed tem-se mostrado particularmente acutilante em relação à dissidência dos dirigentes políticos. Ao dissolver o Parlamento, revogou a imunidade legal dos legisladores e dezenas deles foram presos, alguns na sequência de julgamentos militares. Entre estes, conta-se Rached Ghannoushi, o líder do Ennahda, de 81 anos, e ex-presidente do Parlamento que, em abril de 2023, foi detido em sua casa por 100 agentes da polícia, por comentários críticos ao governo.

Foram emitidos mandados de captura internacionais para opositores que vivem no exílio. Entre eles está Nadia Akacha, uma antiga confidente próxima de Saïed que foi diretora do seu gabinete até à sua demissão em 2022, altura em que se mudou para França. Mais tarde, numa fuga de informação, foram divulgados vídeos que revelando s fortes críticas a Saïed, o que terá estado na origem do mandado de captura.

Os ataques contra os partidos políticos rivais aceleraram em 2023, com ataques às sedes do Ennahda e da Frente de Salvação Nacional. Ambos os partidos foram igualmente proibidos de realizar reuniões.

A amplitude e o caráter sistemático do desmantelamento das instituições democráticas são dignos de nota. Tal como aconteceu com outros golpes de Estado, as ações de Saïed não foram uma aberração isolada, mas antes um esforço intencional para consolidar o poder. Embora não seja tão óbvio como um golpe militar — e, por conseguinte, não desencadeie a mesma condenação regional e internacional — os efeitos são comparáveis. No entanto, uma vez reconhecido como um golpe de Estado, poderão aplicar-se restrições semelhantes.

O caso da Tunísia reveste-se de importância regional, uma vez que esta constituiu um modelo de progresso democrático no Norte de África, onde o regime musculado tem sido a norma. Saïed tem beneficiado do apoio político da Rússia e dos Estados do Golfo e de mensagens de desinformação destinadas a sufocar um modelo democrático bem sucedido que pode ganhar força noutras partes da região.

Voting during municipal elections in Tunisia.

Votação durante as eleições autárquicas na Tunísia. (Foto: Congresso das coletividades locais e regionais)

É neste contexto que se irão realizar as eleições de 2024. Embora a repressão de Saïed contra a dissidência tenha tido o efeito pretendido de criar um clima de arrefecimento em torno do debate público ou da crítica, os líderes dos partidos da oposição e da sociedade civil continuam a falar, a organizar protestos contra a tomada de poder de Saïed e a exigir a libertação de todos os presos políticos. Os partidos da oposição também estão agora a trabalhar mais estreitamente com o objetivo de apresentar um único candidato para disputar o que será certamente um processo pouco livre e justo.

As tentativas de restaurar a democracia estarão no centro das atenções nas eleições na Tunísia. Esta situação será acompanhada de dificuldades económicas crescentes. O desemprego é de 15% e a inflação tem rondado os 10%, com uma escalada do aumento dos preços dos produtos alimentares duatnte o ano. Muitos tunisinos estão a procurar formas de abandonar o país. Face a uma dívida crescente, a Tunísia está a negociar com o Fundo Monetário Internacional um empréstimo de emergência. Em resposta à crise económica, Saïed demitiu a primeira-ministra nomeada, Najla Bouden, em agosto de 2023, substituindo-a por Ahmed Hachani.

Até que as verificações e controlos democráticos sejam suficientemente fortes para resistir à determinação de um ator executivo em consolidar o poder, esse progresso será frágil.

Saïed tentou, igualmente, criar um bode expiatório, culpando os migrantes africanos. Este facto tem sido impregnado de caracterizações desumanas que desencadearam uma violência generalizada contra os migrantes. O Governo intensificou igualmente as buscas e as detenções de migrantes africanos que, por vezes, são levados para zonas isoladas no deserto ao longo da fronteira com a Líbia e aí deixados.

O ambiente político tunisino é muito mais restrito do que nas eleições de 2019. Este facto pode servir de lição para outros parceiros democráticos africanos e internacionais. A obtenção de legitimidade não significa um cheque em branco. A legitimidade também não é estática.

A construção de instituições democráticas exige um trabalho político árduo de compromissos, partilha de poder, criação de normas e boa vontade por parte de muitos atores. No entanto, enquanto essas verificações e controlos não forem suficientemente fortes para resistir à determinação de um ator executivo em consolidar o poder, esse progresso é frágil.


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Mozambique flagMoçambique
Presidenciais e Legislativas, 9 de outubro

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As eleições presidenciais e legislativas de 2024 em Moçambique são marcadas por um crescente sentimento de autoritarismo e impunidade do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

As eleições autárquicas de outubro de 2023 deram uma imagem do que se pode esperar em 2024. A Comissão Nacional de Eleições declarou que a FRELIMO tinha ganho 64 dos 65 círculos eleitorais, mesmo em zonas conhecidas como bastiões do partido Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). Contagens de votos paralelas efetuadas por um consórcio de observadores eleitorais independentes, liderado pela Igreja Católica, mostraram que a RENAMO ganhou alguns municípios, incluindo, Maputo, pela primeira vez.

Os protestos tiveram como resposta uma forte repressão policial, em pelo menos quatro pessoas foram mortas. A polícia fez uma rusga à sede da RENAMO em Maputo, prendendo dezenas de apoiantes.

O recurso da RENAMO nos tribunais levou à anulação de alguns resultados, à recoantagem de votos, e ainda à realização de novos atos eleitorais. No entanto, estas decisões foram anuladas pelo Conselho Constitucional nomeado pela FRELIMO, que decidiu que os tribunais inferiores não tinham competência para anular ou ordenar recontagens eleitorais. O Conselho Constitucional acabou por determinar que a FRELIMO tinha ganho 56 municípios, a RENAMO tinha ganho 4 (contra os seus anteriores 8) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) tinha ganho 1. Uma nova votação deveria ter lugar em quatro outros municípios.

O multipartidarismo em Moçambique é cada vez mais um sistema inócuo.

As eleições autárquicas demonstram que o multipartidarismo moçambicano está a tornar-se cada vez mais um sistema só no nome. A FRELIMO percebeu claramente em que medida pode efetuar manipulação evidente das eleições sem gerar críticas por parte dos principais intervenientes, anível nacional ou internacional.

As eleições presidenciais de 2019 foram igualmente marcadas por relatos credíveis de urnas repletas de votos, intimidação de observadores eleitorais, discrepâncias graves nos registos de votos e irregularidades no apuramento. A Comissão Nacional de Eleições declarou o Presidente Filipe Nyusi vencedor com uns improváveis 73% dos votos. A sociedade civil e os observadores internacionais caracterizaram as eleições como as menos justas desde o regresso às eleições multipartidárias em 1994. Uma missão de acompanhamento das eleições da União Europeia em 2022 constatou que foram poucos ou inexistentes pos progressos na implementação de qualquer uma das 20 recomendações emitidas após as problemáticas eleições de 2019.

As eleições legislativas de 2019 permitiram à FRELIMO aumentar a sua maioria na Assembleia da República, com 250 lugares, de 144 para 184 lugares, em detrimento da RENAMO e do MDM. De igual modo, a FRELIMO elegeu todos os 10 governadores provinciais.

É este o ambiente político em que se desenrolam as eleições de 2024.

A FRELIMO tem dominado a política moçambicana desde o regresso das eleições multipartidárias em 1994, após a devastadora guerra civil de 15 anos com a RENAMO, que causou cerca de 1 milhão de mortos.

Quando a RENAMO se transformou num partido político, obteve 45% e 47% dos assentos parlamentares nas eleições de 1994 e 1999, respetivamente, descendo para 20% em 2009. A RENAMO acusou a FRELIMO de manipular os resultados eleitorais, o que desencadeou um conflito de baixa intensidade entre 2011-2016, que só terminou após um novo acordo de paz em 2019.

Mozambique Police forces are seen stationing in front of the Technical Secretariat of Electoral Administration

Forças policiais de Moçambique estacionadas em frente ao edifício do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral enquanto apoiantes do partido da oposição moçambicana Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) se manifestam para denunciar a fraude nas eleições autárquicas em Maputo, a 17 de outubro de 2023. (Foto: AFP/Alfredo Zuniga)

O ousadia da FRELIMO em engendrar resultados eleitorais desequilibrados reflete, aparentemente, o seu sentimento de perpetuar no tempo a sua vontade de querer governar Moçambique. Esta é uma atitude observada por outros partidos de libertação na África Austral e Oriental, patente nas recentes eleições no Zimbabwe e no Uganda. Reforça também um esforço para normalizar os sistemas partidários dominantes em África, seguindo o modelo do Partido Comunista da China.

A ausência de um sistema multipartidário competitivo elimina um elemento central da autocorreção democrática. Também fomenta um sentimento de impunidade por parte da FRELIMO, desenvolvido ao longo de anos de controlo de todas as principais instituições do Estado, de que pode efetivamente assumir atitudes com pouco risco de perder o poder. Este facto contribuiu para o persistente fraco desempenho de Moçambique nos últimos anos.

Os moçambicanos registaram uma estagnação do produto interno bruto (PIB) per capita na última década, apesar das abundantes receitas provenientes dos recursos naturais. A economia tem sido prejudicada por uma corrupção persistente a alto nível, que se tornou mais evidente com o escândalo dos “tuna bond”, no valor de 2 mil milhões de dólares, e que levou Moçambique a entrar em incumprimento da sua dívida soberana. Estima-se que a fraude tenha custado ao país 11 mil milhões de dólares, o equivalente ao seu PIB anual.

Este desempenho insuficiente e a falta de responsabilização também se refletem na incapacidade de Moçambique para garantir a segurança dos seus cidadãos face a uma insurreição militante islâmica que varreu Cabo Delgado em 2017. Esta ameaça acabou por exigir a intervenção da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e das forças ruandesas. As forças moçambicanas em Cabo Delgado enfrentam elevados níveis de desconfiança e uma reputação de rapto para obtenção de resgate, extorsão e roubo de bens.

O modelo de partido dominante promove uma vontade política limitada para prosseguir reformas.

O modelo do partido dominante fomenta uma vontade política limitada para prosseguir as reformas destinadas a melhorar os meios de subsistência dos cidadãos. Isto é ampliado pelo controlo do estado sobre os meios de comunicação que obscurece a análise objetiva das políticas. A liberdade de imprensa em Moçambique tem vindo a diminuir nos últimos anos. Os jornalistas de investigação, tendencilamente persistentes na denúncia ddde situações de corrupção são intimidados, detidos e alguns acabam por ser vítimas de homicídios premeditados. A ausência de uma comunicação social vibrante anula o papel educativo e galvanizador que ela pode desempenhar na prossecução de reformas.

Um modelo de governança que priva sistematicamente os cidadãos dos seus direitos, deixando-lhes poucos recursos legais, só pode aumentar as perspectivas de instabilidade, com efeitos devastadores para o país e implicações duradouras para a região.

Apesar das desigualdades, a RENAMO tenciona concorrer às eleições presidenciais e legislativas de 2024. O seu cabeça de cartaz será provavelmente Ossufo Momade, que assumiu a liderança do partido em 2018, após o falecimento do líder de longa data da RENAMO, Afonso Dhlakama. No entanto, existem outros membros que o partido pode escolher o presidente do município de Quelimane, Manuel de Araújo, ou o candidato a presidente do município de Maputo, Venâncio Mondlane (que ganhou de acordo com os resultados do apuramento paralelo dos votos) — ambos candidatos dinâmicos — para atrair mais apoio para o partido.

A FRELIMO ainda não nomeou o seu candidato presidencial. O Presidente Nyusi está limitado pelo número de mandatos e, portanto, não poderá concorrer. No entanto existem rumores de que terá considerado seriamente a possibilidade de o fazer. O seu sucessor preferido é Carlos Ismael Correia, que é tido como um político que daria continuidade às políticas da FRELIMO.

Mais importantes do que os candidatos serão, em muitos aspectos, os esforços dos atores da sociedade civil que continuam a defender reformas – para a integridade eleitoral, a independência dos meios de comunicação social e a transparência das finanças públicas. Dado o campo de jogo eleitoral altamente desigual, o seu ritmo de progresso pode ser o barómetro mais revelador para as eleições de 2024 em Moçambique. Como uma das instituições mais respeitadas do país, a Igreja Católica continuará a desempenhar um papel vital, servindo como uma espécie de consciência moral e fonte de responsabilização para os funcionários públicos. Mais uma vez, os seus esforços paralelos de apuramento dos votos serão indispensáveis para discernir as verdadeiras preferências dos eleitores, tornando a credibilidade a palavra-chave a ter em conta nestas eleições.


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Botswana flagBotswana
Gerais, 30 outubro

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As eleições gerais no Botswana estão a preparar-se para serem as mais competitivas da história do país.

Considerado há muito tempo como uma das democracias multipartidárias mais estáveis e duradouras de África, o Botswana deverá realizar as suas eleições gerais em outubro. O Presidente do Botswana é eleito indiretamente pela Assembleia Nacional por um período máximo de dois mandatos de cinco anos.

O aumento da competitividade está a reforçar o sistema multipartidário do país.

Quatro dirigentes do Botswana mostraram o seu empenho em abandonar o poder uma vez cumpridos os prazos constitucionalmente estabelecidos, a começar por Ketumile Masire, que sucedeu a Seretse Khama após a sua morte como primeiro Presidente do Botswana. Esta impressionante tradição sucessória distingue o Botswana de muitos outros países do continente.

De igual modo, a independência judicial do Botswana é digna de nota, tendo os juízes decidido contra o governo em vários casos de grande visibilidade.

O Presidente Mokgweetsi Masisi vai candidatar-se à reeleição como cabeça de cartaz do Partido Democrático do Botswana (BDP), no poder. Apesar das fortes credenciais democráticas do Botswana, o BDP detém uma maioria parlamentar desde as primeiras eleições pós-independência do país, em 1969.

Election professionals gather in Gaborone, Botswana.

Jovens profissionais eleitorais reúnem-se em Gaborone, no Botswana. (Foto: Secretariado da Commonwealth)

A coligação da oposição Umbrella for Democratic Change (UDC), formada no período que antecedeu as eleições de 2019 e liderada por Duma Boko, representa o desafio mais forte até à data para o BDP, que há muito governa o país. A oposição no Botswana, historicamente fragmentada e fraca, registou um aumento de confiança desde a sua vitória nas eleições parciais de 2022. Uma das propostas da UDC é o desenvolvimento de um sistema nacional de saúde que faça do acesso a cuidados de saúde de qualidade uma prioridade.

O apoio do BDP foi prejudicado por uma disputa pessoal entre Masisi e o seu antecessor, o antigo presidente Ian Khama. Khama tem vivido na África do Sul desde que deixou o cargo e enfrenta a prisão por acusação de posse de armas de fogo que foram confirmadas em tribunal. Uma série de inversões políticas e de mudanças de pessoal durante o governo de Masisi levaram Khama a apoiar a Frente Patriótica do Botswana, na oposição, com o objetivo de destituir o atual presidente.

A polling officer verifying the ballots as they arrive at the Gaborone City Council Hall

Um funcionário da mesa de voto verifica os boletins de voto à chegada à Câmara Municipal de Gaborone, a 23 de outubro de 2019. (Foto: AFP/Monirul Bhuiyan)

O mandato de Masisi tem sido marcado por uma mistura de resultados. A elevada taxa de desemprego dos jovens e a deterioração das infraestruturas públicas suscitaram uma atenção crescente por parte do público. No entanto, a liberdade de imprensa melhorou significativamente durante o seu mandato de Masisi, depois de um perído de complicadodeteriorado durante o mandato de Khama. A aprovação do Projeto de lei sobre a Associação dos profissionais da comunicação social em 2022 constituiu um passo tangível no sentido de reforçar a independência dos meios de comunicação social, há muito desejada pelos defensores da liberdade de imprensa, embora alguns tenham manifestado preocupações quanto à criação de um registo formal para os jornalistas.

Independentemente do partido que sair vitorioso nas eleições do Botswana, o aumento da competitividade está a reforçar o sistema multipartidário do país. Um incentivo os partidos a apresentarem políticas inovadoras que respondam aos interesses populares e a desafiarem interesses instalados em sistemas partidários dominantes.


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Mauritius flagMaurícias
Gerais, 10 de novembro

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Em novembro, a população das Ilhas Maurícias vai a votos para a 12ª eleição geral desde a independência. O Movimento Socialista Militante (MSM), no poder, pretende manter a sua maioria e conceder ao Primeiro-Ministro Pravind Kumar Jugnauth um novo mandato de 5 anos.

Para além do MSM, o Partido Trabalhista e o Movimento Militante Mauriciano são os principais partidos que concorrem à Assembleia Nacional do país, com 70 lugares, no âmbito da democracia parlamentar das Maurícias. O poder tem alternado entre os três partidos ao longo dos anos, embora o MSM tenha ganho as duas últimas eleições e liderado o governo desde 2009.

A democracias nas Ilhas Maurícias é considerada uma das mais fortes de África.

As Maurícias é considerada uma das democracias mais fortes de África. Cerca de 90% dos mauricianos votaram nas eleições gerais de 2019. As Maurícias tem um dos ambientes mediáticos mais abertos do continente.

As fortes credenciais de governança das Maurícias tornaram-na um destino popular para o investimento financeiro e o turismo. Isto traduziu-se em cuidados de saúde de alta qualidade, maiores oportunidades de educação e um aumento de 22% no rendimento per capita durante a última década. Os partidos competem entre si no sentido de garatirem a melhor qualidade de serviço para os eleitores.

A política é dominada por duas dinastias familiares – os Ramgoolams (ligados ao Partido Trabalhista) e os Jugnauths (ligados ao MSM). Este facto deu origem a alguma controvérsia, como quando Pravind Jugnauth assumiu o cargo de primeiro-ministro no lugar do pai, a meio do seu mandato, em 2017, antes de levar o MSM à vitória nas eleições de 2019.

A Comissão Eleitoral é vista como competente pela maioria da população. Nas eleições de 2019, registaram-se casos isolados de irregularidades, como o facto de os cidadãos não poderem votar porque os seus nomes não constavam nos registos de voto, o que levou a contestações judiciais. No seu relatório de observação eleitoral, a União Africana formulou recomendações que inclluiam a reforma da lei do financiamento dos partidos políticos e dos candidatos, a adoção de leis destinadas a aumentar o número de mulheres candidatas, o aumento da participação da sociedade civil nas eleições e a atualização dos procedimentos de contagem dos votos. A EBC será objeto de um maior controlo para melhorar a administração das eleições de 2024.

Ballot boxes are transferred from the north of the island of Mauritius to be counted after parliamentary polls.

Trabalhadores eleitorais nas Maurícias transferem urnas de voto após as eleições parlamentares. (Foto: AFP)

Embora as as Ilhas Maurícias tenha uma classificação relativamente sólida no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, existem preocupações de que a corrupção tenha aumentado nos últimos anos. A ameaça das redes do crime organizado e do branqueamento de capitais também aumentaram, isto deviso ao impacte significativo do sector financeiro na economia. Em resposta, o governo reforçou a sua capacidade de rastreio das atividades financeiras ilícitas e o Banco das Maurícias lançou uma célula de informação sobre o mercado para monitorizar o sector financeiro em busca de transações irregulares ou suspeitas.

As Ilhas Maurícias vão para as eleições de 2024 com uma base sólida. A continuação dos progressos no decurso destas eleições será fundamental para que as ilhas Maurícias mantenham a reputação de uma democracia responsável e capaz.


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Somaliland flagSomalilândia
Presidenciais e Legislativas, 13 de novembro

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O Estado auto declarado da Somalilândia deverá acolher em novembro as eleições presidenciais, há muito adiadas. O Presidente Muse Bihi Abdi vai candidatar-se a um segundo mandato de 5 anos, pondo fim a um período de grande incerteza para os 4,5 milhões de habitantes da Somalilândia.

Apesar de não ser reconhecida internacionalmente, a Somalilândia deu passos importantes no sentido de criar um dos sistemas democráticos multipartidários mais inclusivos da África Oriental, desde que declarou a independência da Somália em 1991. Esta será a terceira eleição presidencial por sufrágio universal na Somalilândia. As eleições anteriores resultaram em transições de poder entre partidos.

A Somalilândia deu passos importantes no sentido de criar um dos sistemas democráticos multipartidários mais inclusivos da África Oriental.

As eleições presidenciais de 2024 terão por base o sucesso das concorridas eleições para a Câmara Baixa e para os Conselhos Locais de maio de 2021, em que o Partido da Paz, Unidade e Desenvolvimento (Kulmiye), no poder, obteve menos lugares do que a aliança da oposição formada pelo Partido Nacional Waddani e pelo Partido da Justiça e do Bem-Estar.

No entanto, a trajetória democrática da Somalilândia não tem sido isenta de desafios nos últimos anos. O primeiro mandato de Bihi deveria ter terminado em 2022. Os partidos da oposição acusaram o Presidente Bihi de tentar adiar essas eleições para se manter no poder para além do seu mandato. Bihi justificou o atraso com questões relacionadas com a calendarização e a sequência das eleições partidárias em relação às eleições presidenciais. Após várias rondas de egociação infrutíferas, entre o Governo e a oposição, a Câmara dos Anciãos (conhecida como Guurti) prorrogou o mandato do Presidente por 2 anos e o seu próprio mandato por 5 anos.

Os protestos contra o adiamento das eleições presidenciais de 2022 e a violenta repressão das forças de segurança, que causou a morte de 5 pessoas e centenas de feridos, puseram em causa a reputação da Somalilândia, duramente conquistada, de compromisso político e estabilidade. Durante as três décadas anteriores, a Somalilândia tinha cultivado um legado de construção de consensos e de mediação de conflitos a nível local que lhe tinha permitido resolver vários litígios relacionados com eleições no passado.

Women in Somaliland lining up to cast their ballots in the 2017 presidential election.

Mulheres na Somalilândia fazem fila para votar nas eleições presidenciais de 2017. (Foto:USAID)

No início de 2024, a Guurti aprovou uma nova lei eleitoral que autoriza, pela primeira vez, a realização simultânea de eleições presidenciais e de partidos políticos, fixando a data das eleições em 13 de novembro de 2024. Os partidos da oposição endossaram a nova lei eleitoral, considerando-a como um passo crucial para a igualdade de condições nas próximas eleições presidenciais.

O legado da Somalilândia para a resolução pacífica de disputas entre clãs também foi ameaçado pela repressão pesada do governo de Bihi aos manifestantes que questionavam a autoridade da Somalilândia na cidade de Las Anod, na região de Sool, que faz fronteira com Puntland. Este incidente resultou na morte de cerca de 20 manifestantes, em dezembro de 2022. O anúncio subsequente, em fevereiro de 2023, dos líderes locais do clã Dhulbahante de que tencionavam formar um Estado federal sob a égide da Somália, denominado SSC-Khaatumo, intensificou ainda mais os combates em Las Anod e nos seus arredores. Os confrontos com as autoridades da Somalilândia têm persistido em Sool, provocando centenas de mortos e a deslocação de cerca de 185.000 pessoas.

O legado da Somalilândia para a resolução pacífica de disputas entre clãs tem sido ameaçado pela repressão pesada dos manifestantes por parte do governo de Bihi.

A Somalilândia tem-se distinguido ao longo dos anos por impedir que grupos militantes islâmicos, como o al Shabaab, se instalem no seu território. Os observadores estão preocupados com o facto de de a situação em em Sool poder abrir caminho para o al Shabaab e o Estado Islâmico na Somália, ambos bem estabelecidos na Puntlândia. Dada a sua localização estratégica no Mar Vermelho, a estabilidade na Somalilândia tem, por sua vez, implicações a nível da segurança regional.

Durante o mandato de Bihi, os jornalistas foram, por vezes, objeto de detenções arbitrárias e de ameaças por terem feito uma cobertura crítica do sistema político. Além disso, o governo restringiu o registo de novos jornais.

O acordo da Somalilândia, no início de 2024, para conceder à Etiópia, país sem litoral, um contrato de arrendamento do porto de Berbera por 50 anos, tem implicações importantes para o seu futuro político e económico. A medida foi denunciada pelo governo da Somália, que ainda reivindica a soberania sobre a Somalilândia e é provável esta questão seja objecto de atenção durante o ano de 2024.

Ao regressar às eleições em 2024, a Somalilândia deve continuar a reforçar os processos políticos e de segurança inclusivos que a distinguiram ao longo das décadas para poder colher os frutos desses esforços.


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Namibia flagNamíbia
Presidenciais, 27 de novembro

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Uma das eleições mais intrigantes do continente em 2024 terá lugar na Namíbia. O país vai eleger um novo presidente após a morte no cargo do Presidente Hage Geingob, que deixaria o cargo após o seu segundo e último mandato constitucionalmente obrigatório em Novembro.

A cabeça de lista do partido Organização do Povo da África do Sudoeste (SWAPO) será a Vice-Primeira-Ministra, Netumbo Nandi-Ndaitwah, que, na qualidade de atual vice-presidente do partido, deverá assumir o testemunho de Geingob, quando este deixar a liderança, em março. Nandi-Ndaitwah será a primeira mulher candidata à presidência da SWAPO.

Os resultados competitivos refletem a evolução natural de um sistema multipartidário saudável.

O principal candidato deverá ser Panduleni Itula, que obteve 30 por cento dos votos nas eleições de 2019, o maior resultado da oposição numa eleição presidencial. Lidera o partido Patriotas Independentes para a Mudança.

De notar que dos seis candidatos, que se espera possam vir a obter maior número des votos, três são mulheres.

Embora a SWAPO tenha ganho todas as eleições presidenciais anteriores, as margens têm vindo a diminuir. Em 2019, Geingob venceu com 56% dos votos. Em comparação com os 76% que recebeu quando se candidatou pela primeira vez em 2015. A SWAPO também registou uma diminuição do número de votos nas eleições provinciais e legislativas, onde o partido ficou abaixo da sua maioria de dois terços, e os partidos da oposição asumiram o poder nos três centros económicos mais importantes, Windhoek, Walvis Bay e Swakopmund.

Embora a narrativa comum seja que esta tendência reflete o declínio da popularidade da SWAPO e as preocupações com o crescente clientelismo, estes resultados mais competitivos também refletem a evolução natural de um sistema multipartidário saudável. Os partidos da oposição da Namíbia, muitos dos quais nasceram na SWAPO, continuam relativamente fracos e subfinanciados. No entanto, têm vindo a reforçar as suas capacidades e a sua dimensão organizacional. Além disso, o sistema político está a mudar, com uma percentagem crescente de eleitores urbanos e de pessoas nascidas pós-independência. A sua perceção em relação à SWAPO e às suas ideologias de libertação, é naturalmente diferente da das gerações mais velhas.

Namibians wait to vote

Namibianos esperam para votar numa mesa de voto durante as eleições presidenciais e parlamentares da Namíbia, a 27 de novembro de 2019, em Windhoek. (Foto: AFP/Hildegard Titus)

O sistema multipartidário da Namíbia, cada vez mais competitivo, constitui uma oportunidade para a inovação e a autocorreção democrática, criando incentivos para que todos os partidos demonstrem agilidade e capacidade de resposta ao público. Estes desenvolvimentos podem ajudar a Namíbia a evitar a situação de poder por direito, a esclerose e a corrupção, e que tendem a tornar-se endémicas em sistemas partidários dominantes enraizados.

As eleições na Namíbia são igualmente dignas de nota pela sua abertura e integridade. O ambiente eleitoral favorece a liberdade expressão para todos os partidos. Este processo é supervisionado pela Comissão Eleitoral da Namíbia (CNE) que, apesar de imperfeita, é vista como imparcial e concentrada na boa execução das eleições. No passado, a CNE apresentou ao Tribunal Eleitoral irregularidades levantadas pelos partidos da oposição.

O poder judicial da Namíbia é também geralmente considerado autónomo em relação à influência política. Este facto é ilustrado pelas vezes em que o Supremo Tribunal aceitou casos apresentados pela oposição e decidiu contra posições tomadas pela ECN.

A Namíbia é um dos ambientes mais abertos de África no que respeita à liberdade de imprensa, contribuindo para uma maior transparência e responsabilização do governo.

A Comissão Anti-Corrupção da Namíbia (ACC) instaurou processos contra altos funcionários, incluindo seis antigos ministros, no âmbito do chamado escândalo “fishrot”, que envolveu o acesso às águas da Namíbia por parte de uma empresa de pesca islandesa. No entanto, os críticos argumentam que o ACC pode ser mais eficaz.

A Namíbia tem sido um país inovador em matéria de segurança marítima.

Dada a importância das pescas para a economia e os meios de subsistência deste país com uma costa de 1600 km, a Namíbia tem sido um país inovador em matéria de segurança marítima. Segundo as estimativas, a Namíbia perde anualmente 400 toneladas de peixe devido à pesca ilegal, não regulamentada e não reportada (IUU), principalmente por navios de pesca chineses. No âmbito do Acordo sobre Medidas portuárias, a Namíbia está a efetuar patrulhas conjuntas com os países vizinhos. No esforço para aumentar a vigilância e a proteção dos seus recursos marítimos, a Namíbia desenvolveu cooperação com um consórcio de organizações do sector privado, académicas e não governamentais. A implementação de esforços para proteger o setor das pescas da Namíbia será um importante tema de campanha em 2024.

Da gestão do seu espaço marítimo ao reforço do seu sistema multipartidário, mantendo a sua reputação de transparência, não faltarão questões a observar nas eleições de 2024 na Namíbia. Em cada uma das frentes, a Namíbia terá a oportunidade de continuar a desempenhar o seu papel de guia de normas para o continente.


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Ghana flagGana
Presidenciais e Legislativas, 7 de dezembro

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As eleições presidenciais no Gana irão permitir eleger um novo líder, uma vez que o Presidente Nana Akufo-Addo, abandona o cargo depois de concluir o seu segundo mandato, em concordância com a Constituição. Esta será a quinta sucessão presidencial do Gana desde o regresso ao multipartidarismo democrático em 1992, elevando a reputação do país no que diz respeito à institucionalização das regras de transições presidenciais. Três destas transições anteriores foram efetuadas entre partidos políticos rivais, o que reforça ainda mais o empenho dos ganeses em respeitar os resultados eleitorais e a partilha do poder.

John Mahama. (Foto: Departamento de Estado dos EUA)

Estas transferências de poder ocorreram entre os dois principais partidos políticos do Gana, o Novo Partido Patriótico (NPP) de Akufo-Addo e o Congresso Nacional Democrático (NDC). O candidato presidencial do NDC é John Mahama, presidente do Gana de 2012 a 2017. Perdeu as eleições bastante disputadas para Akufo-Addo em 2016 e 2020 e solidificou as suas credenciais democráticas ao aceitar a sua derrota como titular do cargo em 2016 e ao facilitar a transferência de poder sem objecções.

Dr. Mahamudu Bawumia (Foto: Rwhaun)

O cabeça de lista do NPP será o Vice-Presidente, Dr. Mahamudu Bawumia. O antigo Vice-Governador do Banco Central é conhecido como um tecnocrata. Sendo o primeiro muçulmano a liderar o NPP, com elevada representação no sul do país, Bawumia apresenta-se como um construtor de pontes entre o diverso eleitorado do Gana.

Tendo em conta os resultados muito próximos entre candidatos nas últimas eleições e a paridade no Parlamento —com cada partido a obter 137 representantes —, prevê-se que esta eleição seja bastante dsiputada. Os resultados das eleições do Gana, em duas voltas e como o vencedor o que obtiver 50% de votos mais um, foram largamente aceites pelo eleitorado ganês, devido à liderança demonstrada pelos candidatos rivais e à confiança na equidade das instituições do Gana.

A Comissão Eleitoral tem uma reputação, dentro e fora do Gana, de profissionalismo, independência e integridade. através da transparência e de comunicação consistentes com todos os partidos. A Comissão adotou a reforma do registo de voto contínuo desde as eleições de 2020 para aumentar ainda mais a participação.

A Comissão Eleitoral tem uma reputação de profissionalismo, independência e integridade.

A democracia do Gana beneficia de uma sociedade civil vigilante e bem organizada. Os atores da sociedade civil têm estado na vanguarda das reformas eleitorais, alargando a participação dos cidadãos e reforçando a confiança no processo. Isto inclui a organização de debates televisivos entre os candidatos presidenciais, com o objetivo de informar os eleitores sobre as posições dos respetivos candidatos relativamente a questões políticas importantes que o país enfrenta. Quaisquer alegações de corrupção também são objeto de grande atenção por parte dos meios de comunicação social.

O Inspetor-Geral da Polícia (IGP) também tem desempenhado historicamente um papel central na garantia da independência do processo eleitoral. Este facto foi demonstrado nas eleições parciais de 2023 em Assin North, onde as tensões iniciais foram acalmadas depois de o IGP se ter reunido com os líderes dos partidos locais, incutindo confiança nas disposições de segurança. O lugar contestado acabou por ser ocupado pelo NDC.

As forças armadas do Gana gozam também de uma reputação de profissionalismo e neutralidade, conquistados com muito esforço. Com base nas lições aprendidas em ciclos eleitorais anteriores, as questões de segurança do processo eleitoral são asseguradas pela polícia, cabendo às forças armadas apoiar caso necessário.

Polling officials mobilizing during Ghana’s 2016 elections.

Funcionários das mesas de voto mobilizam-se durante as eleições de 2016 no Gana. (Foto: Masjaliza Hamzah)

As instituições democráticas do Gana não estão isentas de desafios. O ano eleitoral tem sido agitado por rumores de que Akufo-Addo tentará substituir o IGP, acusações que o NPP negou. A polícia também tem sido criticada pela mão pesada com que periodicamente responde aos protestos. Em 2023, o Supremo Tribunal decidiu que o Presidente demitiu ilegalmente o Auditor-Geral em 2020, num processo apresentado por reformadores da sociedade civil. Além disso, uma minoria de meios de comunicação social controlados por políticos assume posições partidárias na cobertura das notícias, fomentando a polarização.

As eleições de 2024 realizam-se num contexto de fortes dificuldades económicas para o Gana. Devido à pandemia de COVID, à ruptura das redes de abastecimento de cereais e de outros produtos devido à invasão russa da Ucrânia e à insuficiente disciplina monetária e orçamental. Os ganeses enfrentaram ainda uma rápida subida da inflação. A dívida resultante exigiu um resgate de emergência de 3 mil milhões de dólares do FMI, o que colocou o NPP na defensiva.

Vote counting at a polling station during Ghana's 2016 elections.

Contagem de votos numa assembleia de voto durante as eleições de 2016 no Gana. (Foto: Hasjaliza Hamzah)

À medida que o ritmo e a letalidade das organizações extremistas violentas (OEV) se intensificam no Sahel, o Gana enfrenta também uma ameaça crescente de violência que transpõe a sua fronteira norte a partir do Burkina Faso. Para tal, será necessário um envolvimento proativo com as comunidades locais por parte do governo e dos responsáveis pela segurança, a fim de contrariar as mensagens dos VEO que visam amplificar as injustiças e fomentar a desconfiança em relação ao governo.

Os ganeses devem, por conseguinte, ter em conta a segurança regional e as prioridades nacionais nas eleições de 2024. Um debate saudável e a articulação de visões concorrentes para um país são fundamentais para eleições genuínas e para a autocorreção inerente às democracias. No entanto, os ganeses terão de manter o controlo da narrativa sobre as suas eleições, para que as polémicas polarizadoras não minem os próprios pilares das instituições democráticas do país, que tanto custaram a conquistar.


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South Sudan flagSudão do Sul
Presidenciais e Legislativas, 22 de dezembro (adiadas)

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O Presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, fez carreira política adiando eleições, o que lhe permitiu continuar como presidente o desde 2005, apesar de legitimado somente para um mandato de 4 anos, após a votação para a independência do Sudão do Sul em 2011. Desde então, já efetuou extensões em 2015, 2018, 2020 e 2022.

O anúncio de Kiir de que haverá eleições em 2024 é, por isso, digno de registo. A sua intenção de se apresentar como candidato, pelo contrário, não é surpreendente. É o único presidente que este país de 11 milhões de habitantes, o mais jovem de África, alguma vez conheceu. Empurrado para a liderança política nacional após a morte prematura, em 2005, do líder da independência do Sudão do Sul, John Garang, o antigo comandante do exército de guerrilha, de 72 anos, parece querer manter o poder indefinidamente. Para além do continuio adiamento das eleições, Kiir beneficia de uma Constituição de transição de 2011 que não prevê um limite para os mandatos presidenciais (embora o Diálogo Nacional de 2020 tenha apelado unanimemente à adoção de um limite).

O Sudão do Sul tem enfrentado uma grande turbulência desde que entrou em guerra civil em 2013 —resultado de uma rivalidade política de longa data entre Kiir e Riak Machar —com fortes conotações étnicas, uma vez que cada líder mobilizou o apoio das suas respetivas bases étnicas, Dinka e Nuer, as duas maiores do Sudão do Sul.

As milícias armadas vagueiam pelos campos, praticando atos de violência e pilhagem com impunidade.

Calcula-se que o conflito tenha custado mais de 400.000 vidas. Embora atualmente seja considerado um conflito de baixa intensidade, as milícias armadas (muitas vezes de base étnica) vagueiam pelos campos, praticando atos de violência e pilhagem com impunidade. O trauma e o medo desta violência estão profundamente enraizados na população. Lamentavelmente, o Sudão do Sul é o país com a maior perpecentagem de população refugada (42%), no continene africano. Normalmente, os refugiados regressam quando existam condições de segurança para o fazerm. O facto de resistirem a fazê-lo no Sudão do Sul é, portanto, revelador da situação de insegurança que prolifera no país.

A estas tensões, juntou-se a eclosão de um conflito no Sudão, em 2023. Esta situação levou a que mais de 400 000 refugiados sul-sudaneses fossem obrigados a regressar à insegurança do seu país de origem, do qual tinham tentado fugir. Com três quartos da população do Sudão do Sul a necessitar de assistência humanitária, estas últimas deslocações irão sobrecarregar ainda mais os esforços de assistência, já de si muito esgotados.

O Sudão do Sul representa, sem dúvida, o ambiente eleitoral mais difícil que África enfrentou nos últimos anos. O país está classificado no último lugar ou perto do último lugar a nível mundial no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, no Índice de Liberdade Global da Freedom House e no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional.

O Sudão do Sul é um país extenso sem acesso ao mar, do tamanho do Afeganistão, com terreno acidentado e planícies baixas, deixando metade dos distritos sujeitos a inundações que deslocam até um milhão de pessoas anualmente. O rendimento per capita do Sudão do Sul diminuiu para cerca de um quarto do que era aquando da independência, apesar das consideráveis receitas do petróleo, que são em grande parte controladas pela elite sul-sudanesa com ligações ao governo.

Talvez o maior impedimento à realização de eleições viáveis no Sudão do Sul seja a falta de vontade política para realizar eleições, criar órgãos de supervisão independentes, controlar a corrupção ou criar um exército profissional.

Apesar destes desafios logísticos e económicos, talvez o maior impedimento à realização de eleições viáveis no Sudão do Sul seja a falta de vontade política, não só para realizar eleições, mas também para criar órgãos de supervisão independentes, controlar a corrupção ou criar uma força militar e policial profissional. As instituições políticas são fracas ou inexistentes, perpetuando uma partilha de poder ou uma responsabilização limitadas. Para além da insegurança generalizada, os líderes políticos da oposição, os líderes da sociedade civil e os jornalistas são regularmente ameaçados de violência ou de detenção.

As eleições de 2024 estão ainda sujeitas à realização de um recenseamento conduzido pelo governo e à adoção de uma nova constituição — exercícios institucionais difíceis em qualquer circunstância. Estas condições prévias podem ainda servir de pretexto para novos atrasos eleitorais e prorrogação de mandatos.

Voting in Juba, South Sudan.

Votação em Juba, Sudão do Sul. (Foto: Ranjit Bhaskar)

Apesar destes graves desafios, o Sudão do Sul tem uma sociedade civil resiliente que continua a exigir reformas, maior transparência e responsabilização do governo. A rede de igrejas do Sudão do Sul tem sido uma fonte particularmente importante de capital social e um meio para mediar o diálogo entre as diversas comunidades do país ao longo dos anos.

Um dos principais objetivos dos reformadores tem sido a aprovação da Lei das Eleições Nacionais em 2023, que institui uma maior representação geográfica, bem como definir um limite de 35% de representação feminina, nas listas dos partidos. A lei tem como objetivo garantir a inclusão e reduzir a monopolização do poder por um único partido. Uma segunda lei de interesse é a Lei dos Partidos Políticos, que prevê mecanismos para regular os partidos políticos do Sudão do Sul, notoriamente orientados para o culto da personalidade, através da defesa da governação democrática interna e de normas de responsabilização nos estatutos dos partidos.

O país iniciou também um esforço, há muito adiado, para criar um exército nacional unificado com 83.000 efetivos, integrando as forças das milícias da oposição. Os primeiros destacamentos desta força unificada ocorreram no final de 2023.

Dado o contexto difícil em que se encontra o Sudão do Sul, é provável que qualquer progresso democrático em 2024 seja gradual. No entanto, os esforços no sentido de promover órgãos de supervisão mais independentes, como uma comissão eleitoral, um comité de redação da constituição, um censo, um banco central e um conselho de supervisão da segurança, seriam fundamentais para criar instituições políticas que respondam às aspirações dos cidadãos do Sudão do Sul. Isto será essencial para afastar a classe política altamente polarizada do Sudão do Sul das mentalidades de governação do tipo “o vencedor leva tudo” que têm sido tão destrutivas.


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Guinea-Bissau flagGuiné-Bissau
Presidenciais, dezembro

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A Guiné-Bissau enfrenta um ambiente eleitoral turbulento em 2024. País s costeiro da África Ocidental, com 2 milhões de habitantes, tem sido palco de sequentes crises.

A Guiné-Bissau sofreu quatro golpes de Estado e mais de uma dúzia de tentativas de golpes de Estado, ao longo de 23 anos a independência de Portugal em 1973. O Presidente Úmaro Sissoco Embaló dissolveu o Parlamento duas vezes em dois anos (incluindo em dezembro de 2023), alegando tentativas de golpe de Estado, o que contribuiu para a paralisia do Governo.

A história mais importante na Guiné-Bissau em 2024 será sobre como construir e manter estabilidade governative e proteger as instituições de abuso de poder.

Embora os principais partidos políticos não tenham apresentado oficialmente os seus candidatos, as eleições de 2024, podem, eventualmente, representar uma reviravolta face às eleições 2019, em que o Presidente Embaló obteve 53,5% dos votos contra 46,5% em Domingos Simões Pereira.

A instabilidade da Guiné-Bissau ocorre em diferentes níveis.

No centro da disfunção da governança estão diferentes visões quanto ao papel do executivo no sistema semi-presidencial da Guiné-Bissau. Neste sistema, o presidente é o chefe de Estado e o primeiro-ministro é o chefe do governo. O primeiro ministro é eleito pelo parlamento e escolhe os ministros para integarem o governo. Este sistema vigora desde d aprovação da Constituição de 1993, de modo a reforçar a separação de poderes entre o poder executivo, o parlamento e o poder judicial. Esta foi uma resposta ao regime de 19 anos do Presidente João Bernardo Vieira, que concentrou o poder no executivo, facilitando abusos de poder e impunidade.

O Presidente do Parlamento, Pereira, e a sua Plataforma Aliança Inclusiva-Terra Ranka (PAI-TR), uma coligação de pequenos partidos em parceria com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), propuseram reformas constitucionais para clarificar os poderes entre o Presidente e o Primeiro-Ministro. Embaló, um produto do antigo sistema presidencial centrado no Estado e próximo dos militares, esperava, pelo contrário, assegurar uma maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho de 2023 para por em prática um regime presidencial, mediante a adoção de uma nova constituiçao. O PAI-TR saiu vitorioso com uma maioria de 54-48 no Parlamento. A coligação conta ainda com o apoio de mais 12 deputados de partidos alinhados.

President Umaro Sissoco Embaló

Presidente Umaro Sissoco Embaló (Foto: DakarActu TV)

Embaló reagiu a este revés criando um gabinete-sombra de “conselheiros presidenciais”, composto por antigos ministros e funcionários da segurança com ligações estreitas às forças armadas e à polícia. A dissolução do parlamento e a demissão do primeiro-ministro, Geraldo Martins, em dezembro de 2023, é vista como uma tentativa para garantir o afastameno do poder legislativo e, simultaneamente, exercer o poder executivo como presidente.A autoridade governamental na Guiné-Bissau surge em muitas das situações, associada a interesses sobre determinadas atividades, de cariz ilícito e ilegal, nomeadamente o tráfico de estupefacientes, o abate ilegal de árvores, o controlo de contratos públicos e o desvio de receitas fiscais. A Guiné-Bissau é desde há muito considerada como o principal centro de tráfico de cocaína na África Ocidental para os cartéis de droga latino-americanos. Há indicações de que o contrabando de estupefacientes aumentou durante o mandato de Embaló, tendo a última grande apreensão de droga ocorrido em 2019. A Guiné-Bissau é considerada como um dos países mais corruptos do mundo pelo Índice de Percepção da Corrupção e da Transparência Internacional.

Este legado de clientelismo tem estado profundamente ligado aos serviços de segurança. Na história da Guiné Bissau, as forças armadas e a polícia têm sido utilizadas pelos líderes políticos para proteger os seus interesses políticos. Esta politização, por sua vez, incentivou os chefes militares a utilizarem as suas posições oficiais para defenderem os seus interesses financeiros e, por vezes, a montarem golpes de Estado contra os seus chefes políticos. Este é outro fator determinante da volatilidade da Guiné-Bissau.

A instabilidade persistente da Guiné-Bissau tem tido um impacto na qualidade de vida dos seus cidadãos, com o país a mostar alguma incapacidade em aconpanharo desenvolvimento do continente em termos de rendimento per capita, taxas de mortalidade e habilitações literárias. A melhoria dos serviços de saúde e educação foi uma parte fundamental da plataforma de campanha vencedora do PAI-TR nas eleições legislativas de 2023 e provavelmente terá também um papel central nas eleições presidenciais de 2024.

(Foto: AFP/Samba Balde)

A votação de 2024 tem, por conseguinte, implicações significativas não só para as prioridades políticas da Guiné-Bissau, mas também para o seu modelo de governo e para o seu sistema de verificações e controlo.

Apesar do seu longo legado de instabilidade política, a Guiné-Bissau tem também um historial de eleições e alternâncias de poder relativamente competitivas. Este facto deve-se, em parte, à composição profissional da Comissão Nacional de Eleições (CNE). O Secretariado Executivo do CNE é composto por magistrados nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura e eleitos por dois terços do Parlamento para um mandato de quatro anos. As dissoluções do Parlamento impedem o preenchimento dos lugares vagos no Secretariado Executivo, dificultando a preparação das eleições.

Os atores da sociedade civil continuam a insistir em reformas que institucionalizem uma maior transparência e supervisão.

A existência de uma sociedade civil resiliente na Guiné-Bissau, tem sido o ingrediente mais importante na tempestuosa vida política do país. Apesar dos numerosos retrocessos, a sociedade civil continua a insistir em reformas que institucionalizem uma maior transparência e supervisão de fundos públicos e de de políticas públicas, capazes de servir os interesses dos cidadãos.

Uma forte participação no processo eleitoral de 2024, será fudamental para futuro da Guiné Bissau.

Ao longo dos anos, a Guiné-Bissau tem igualmente beneficiado do apoio regional e internacional. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, liderada pelo Senegal, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a União Europeia, Portugal, a França e o Fundo Monetário Internacional têm-se empenhado em ajudar a estabilizar a Guiné-Bissau. Entre outras iniciativas, isto implicou o destacamento de operações de paz alargadas, apoio financeiro e a intervenção como negociadores terceiros.

Para além dos resultados eleitorais, o mais importante para a Guiné-Bissau em 2024 será sobre como construir e manter um sistema político estável e a impermeabilidade das instituações face ao autoritarismo e tentaivas de abuso de poder.


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Guinea flagGuiné
Presidenciais e Legislativas, dezembro

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Este será um ano crucial para traçar a trajetória da transição da Guiné para um regime democrático. Uma junta militar liderada pelo coronel Mamady Doumbouya governa o país após a deposição do primeiro presidente democraticamente eleito da Guiné, Alpha Condé, em setembro de 2021. Como parte de um roteiro de transição de 10 pontos negociado com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a junta comprometeu-se a realizar eleições presidenciais e legislativas até dezembro de 2024.

O envolvimento da junta com a CEDEAO permite distingue-la de outras situações ocorridads na África Ocidental. Importa salientar o facto de a junta guineense manter a proibição de os dirigentes da autoridade militar de transição poderem fazer parte de um novo governo.

Mamadi Doumbouya. (

Mamadi Doumbouya. (Foto: Aboubacarkhoraa)

A situação na Guiné também é diferente pelo facto de as forças armadas terem destituído um presidente que tinha desrespeitado o limite de dois mandatos previsto na Constituição, apesar dos protestos populares generalizados face a justificações juridicamente duvidosas. Além disso, a junta na Guiné permitiu algum debate público sobre verdadeiras reformas constitucionais (embora tenha excluído vozes importantes da oposição). As reformas propostas incluem a a validação das nomeações do executivo pelo parlamento, garantir a proteção de organismos independentes, de interferências políticas e o reforço do limite de dois mandatos presidenciais.

O regime militar guineense recusou-se, nomeadamente, a aderir à aliança de juntas militares (Mali, Burkina Faso e Níger) que desafiaram ativamente a CEDEAO, reconhecendo ao mesmo tempo as reivindicações ilegítimas de poder de cada uma.

No entanto, apesar do compromisso declarado da junta guineense em prosseguir com a transição, a sua implementação carece de transparência, atrasos, e dotações orçamentais inadequadas, o que tem motivado os líderes civis a questionar sobre as intençõesa quanto ao regresso de um regime constitucional democrático. Os principais pontos de discórdia incluem o plano da junta de realizar um recenseamento antes das eleições, que serviria de base a um novo registo de eleitores. Doumbouya também anunciou planos para um referendo constitucional em 2024, embora o documento em si ainda não tenha sido redigido e os pormenores sobre o processo sejam escassos.

A questão que se coloca é saber se 2024 permitirá o retorno de um sistema político democráticoa.

Os líderes da oposição defendem que tanto o registo de eleitores como a administração das eleições devem ser geridos por organismos independentes, de modo a garantir uma maior efiência do processo e eventuias conflitos de interesses e que eventuais reformas constitucionais devem aguardar por um governo legítimo e democraticamente eleito. Por conseguinte, um ponto focal para 2024 será saber se as eleições irão preceder o processo de revisão da Constituição.

Os principais partidos políticos e organizações da sociedade civil da Guiné, sob a bandeira das Forces vives de la Guinée (FVG), têm efetuado protestos periódicos para defender estes pontos e exigir que a junta cumpra o calendário de transição num processo transparente e participativo.

A junta respondeu por vezes a estes desafios intimidando os jornalistas e os líderes da sociedade civil críticos do regime. Esta situação incluiu o recurso a milícias armadas e a detenções para reprimir os protestos, que a junta proibiu desde 2022. O espaço mediático continua a ser restrito, com vários meios de comunicação social proibidos e o acesso à Internet periodicamente suspenso.

A polling station in Conakry during the Guinea presidential elections.

Um homem deposita o seu voto numa assembleia de voto em Conacri, a 18 de outubro de 2020, durante as eleições presidenciais na Guiné. (Foto: AFP/Cellou Binani)

Esta resistência ao regime militar denota a resiliência da sociedade civil e do movimento democrático da Guiné. A Guiné foi um dos últimos países africanos a realizar eleições multipartidárias, em 2010. Este marco só foi alcançado após o infame massacre num estádio de mais de 150 manifestantes civis, em 2009, e a violação de dezenas de mulheres, orquestrados pelo governo militar de Moussa Dadis Camara. O julgamento dos responsáveis, há muito adiado, apenas teve lugar em 2022, sob a égide da Junta de Doumbouya, embora tenha decorrido de forma irregular.

A resistência civil da Guiné foi construída a partir de um longo legado de um regime repressivo e irresponsável. Os guineenses sofreram muito com o reinado ditatorial de 25 anos (1958-1984) de Sekou Touré, seguido do regime de 24 anos (1984-2008) do general Lansana Conté.

Estas dificuldades e estes direitos duramente conquistados gravaram na mente guineense um profundo compromisso com a democracia. O limite de mandatos é uma questão particularmente importante, tendo em conta os extensos períodos dos regimes anteriores. É por isso que a resistência ao terceiro mandato,inconstitucional, de Alpha Condé, foi tão impulsiva e generalizada.

A questão que se coloca agora aos guineenses é saber se 2024 será o ano em que o país retomará a via democrática. Se o fizer, abrirá o país a novos investimentos, ao desenvolvimento e ao crescimento económico. Na sua década de progresso democrático, a Guiné registou uma taxa média anual de crescimento económico per capita de 2,9%. Em comparação com o crescimento económico de menos de 1% durante o período de 25 anos anterior a 2010.

O regresso a um regime democrático civil também permitirá maior abertura das forças armadas guineenses a um espetro mais sólido de cooperação em matéria de segurança.

O regresso a um regime democrático também permitirá maior abertura das forças armadas guineenses a um espetro mais robusto de financiamento e formação no âmbito da cooperação em matéria de segurança, aspecto crucial tendo em conta a tual situação de insurreição islâmica militante no Mali se aproxima cada vez mais da fronteira norte da Guiné.

As intervenções russas para destabilizar a transição guineense são de esperar, dado o longo envolvimento da Rússia na exploração mineira de bauxite na Guiné, o apoio de Moscovo ao terceiro mandato de Condé, a enorme influência da Rússia junto das outras juntas militares do Sahel e os esforços propositados do Kremlin para minar a democracia noutras partes de África.

Apesar dos muitos obstáculos para uma transição democrática de formapacífica em 2024, existem trajetórias viáveis, incentivos e vontade popular para que os guineenses a realizem. É provável que o resultado dependa da persistência da sociedade civil guineense, do vigor do empenhamento da CEDEAO e dos atores democráticos internacionais e das garantias dadas aos militares numa Guiné pós-junta.


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