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Exercício eleitoral nas Comores promete mais do mesmo


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O facto de Assoumani não ter respeitado os limites de mandatos prejudicou o progresso democrático e a estabilidade.

Nas primeiras eleições presidenciais africanas do ano, realizadas a 14 de janeiro, o Presidente das Comoros, Azali Assoumani, candidatou-se a um quarto mandato, com base num controverso referendo, realizado em de 2018, que lhe permitiu contornar os limites do mandato presidencial. A Constituição que se seguiu desmantelou o Acordo de Fomboni de 2001, que tinha garantido mais de 15 anos de estabilidade política no arquipélago, com cerca de 880.000 habitantes. O Acordo consagrava uma fórmula de partilha do poder que previa a rotação da presidência, após um único mandato presidencial, entre as três ilhas principais: Grande Comore, Anjouan e Moheli. Este Acordo histórico pôs termo a uma era em que as Comores sofreram 20 golpes de Estado desde a sua independência em 1975.

O facto de Assoumani não ter respeitado os limites de mandatos prejudicou o progresso democrático e a estabilidade. Além disso, a Constituição de 2018 consolidou o poder do executivo ao suprimir os cargos de três vice-presidentes, cada um representando uma das três ilhas.

2024 Comoros general elections

Apoiantes de Mohamed Daoudou (não está na imagem), líder do Partido Laranja da oposição das Comoros, reúnem-se no seu último comício em Moroni, a 10 de janeiro de 2024, antes das eleições gerais nas Comoros. (Foto: Ibrahim YOUSSOUF / AFP)

O coronel Azali Assoumani chegou ao poder pela primeira vez com um golpe de Estado em 1999, tendo subsequentemente exercido um mandato presidencial de 2002 a 2006. Após ter abandonado o cargo, as Comoros viveram três transições presidenciais pacíficas, duas das quais envolvendo transferências de poder entre partidos políticos. Isto incluiu o regresso de Assoumani à presidência em 2016. No entanto, em vez de manter o sistema rotativo de partilha de poder, em 2018 Assoumani suspendeu o Tribunal Constitucional, um órgão democraticamente eleito. Em seguida, transferiu as funções eleitorais do Tribunal Constitucional para o Supremo Tribunal, cujos membros são nomeados pelo próprio Presidente. Esta medida permitiu a Assoumani assegurar um segundo mandato consecutivo (e terceiro mandato no total) nas eleições contestadas de 2019, apesar de 12 candidatos da oposição terem rejeitado os resultados. Os observadores da União Africana e de outros países referiram que a votação foi marcada por irregularidades.

O último mandato de Assoumani foi marcado por repressões à dissidência e por restrições à liberdade de imprensa.

O último mandato de Assoumani foi marcado por repressões à dissidência e por restrições à liberdade de imprensa. Os jornalistas trabalham numa atmosfera de intimidação e no medo de serem presos, o que resulta numa autocensura generalizada. As manifestações são regularmente proibidas. Os membros dos partidos da oposição são ameaçados e detidos pela polícia e pelo exército. Esta situação levou ao abandono do país por muitos habitantes e a um aumento da migração ilegal para a ilha francesa de Mayotte. O antigo presidente e membro do partido da oposição Juwa, Ahmed Abdallah Sambi, foi condenado a prisão perpétua por acusações de corrupção em 2022, no que muitos consideram ser uma manobra política para impedir a sua candidatura às eleições de 2024.

O crescente autoritarismo de Assoumani enquadra-se num padrão de líderes africanos que conquistam o poder através de meios extraconstitucionais e que, posteriormente, violam os limites legais de permanência no poder. Estas ações não ocorrem isoladamente, são parte de uma deterioração mais ampla dos presssupostos democráticos.

Alguns dos principais partidos da oposição das Comoros apelaramm ao boicote das eleições presidenciais de 14 de janeiro. Alegaram a ausência de liberdade de voto, uma vez que a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) é vista como a favorável a Assoumani. A oposição apelou à libertação de todos os presos políticos, à substituição dos membros da CENI por um órgão independente e à não participação do exército no processo eleitoral. A oposição também boicotou a votação do referendo de 2018 e as eleições presidenciais de 2019 em protesto contra o facto de Assoumani ter minado o acordo de partilha de poder.

O crescente autoritarismo de Assoumani enquadra-se num padrão de líderes africanos que conquistam o poder através de meios extraconstitucionais e que, posteriormente, violam os limites legais ao seu tempo no poder.

Os líderes da oposição mostra-se de igual modo preocupados com o facto de Assoumani, atualmente com 65 anos de idade, estar a preparar o seu filho de 39 anos, Nour El Fath Azali, para o suceder no poder. Uma sucessão dinástica constituiria um novo revés para as árduas conquistas democráticas e para a estabilidade de que as Comoros beneficiaram durante a vigência da Constituição de 2001.