English | Français | Português | العربية
Veja nossas últimas publicações em português.
Este será um ano crucial para traçar a trajetória da transição da Guiné para um regime democrático. Uma junta militar liderada pelo coronel Mamady Doumbouya governa o país após a deposição do primeiro presidente democraticamente eleito da Guiné, Alpha Condé, em setembro de 2021. Como parte de um roteiro de transição de 10 pontos negociado com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a junta comprometeu-se a realizar eleições presidenciais e legislativas até dezembro de 2024.
O envolvimento da junta com a CEDEAO permite distingue-la de outras situações ocorridads na África Ocidental. Importa salientar o facto de a junta guineense manter a proibição de os dirigentes da autoridade militar de transição poderem fazer parte de um novo governo.
A situação na Guiné também é diferente pelo facto de as forças armadas terem destituído um presidente que tinha desrespeitado o limite de dois mandatos previsto na Constituição, apesar dos protestos populares generalizados face a justificações juridicamente duvidosas. Além disso, a junta na Guiné permitiu algum debate público sobre verdadeiras reformas constitucionais (embora tenha excluído vozes importantes da oposição). As reformas propostas incluem a a validação das nomeações do executivo pelo parlamento, garantir a proteção de organismos independentes, de interferências políticas e o reforço do limite de dois mandatos presidenciais.
O regime militar guineense recusou-se, nomeadamente, a aderir à aliança de juntas militares (Mali, Burkina Faso e Níger) que desafiaram ativamente a CEDEAO, reconhecendo ao mesmo tempo as reivindicações ilegítimas de poder de cada uma.
No entanto, apesar do compromisso declarado da junta guineense em prosseguir com a transição, a sua implementação carece de transparência, atrasos, e dotações orçamentais inadequadas, o que tem motivado os líderes civis a questionar sobre as intençõesa quanto ao regresso de um regime constitucional democrático. Os principais pontos de discórdia incluem o plano da junta de realizar um recenseamento antes das eleições, que serviria de base a um novo registo de eleitores. Doumbouya também anunciou planos para um referendo constitucional em 2024, embora o documento em si ainda não tenha sido redigido e os pormenores sobre o processo sejam escassos.
A questão que se coloca é saber se 2024 permitirá o retorno de um sistema político democráticoa.
Os líderes da oposição defendem que tanto o registo de eleitores como a administração das eleições devem ser geridos por organismos independentes, de modo a garantir uma maior efiência do processo e eventuias conflitos de interesses e que eventuais reformas constitucionais devem aguardar por um governo legítimo e democraticamente eleito. Por conseguinte, um ponto focal para 2024 será saber se as eleições irão preceder o processo de revisão da Constituição.
Os principais partidos políticos e organizações da sociedade civil da Guiné, sob a bandeira das Forces vives de la Guinée (FVG), têm efetuado protestos periódicos para defender estes pontos e exigir que a junta cumpra o calendário de transição num processo transparente e participativo.
A junta respondeu por vezes a estes desafios intimidando os jornalistas e os líderes da sociedade civil críticos do regime. Esta situação incluiu o recurso a milícias armadas e a detenções para reprimir os protestos, que a junta proibiu desde 2022. O espaço mediático continua a ser restrito, com vários meios de comunicação social proibidos e o acesso à Internet periodicamente suspenso.
Esta resistência ao regime militar denota a resiliência da sociedade civil e do movimento democrático da Guiné. A Guiné foi um dos últimos países africanos a realizar eleições multipartidárias, em 2010. Este marco só foi alcançado após o infame massacre num estádio de mais de 150 manifestantes civis, em 2009, e a violação de dezenas de mulheres, orquestrados pelo governo militar de Moussa Dadis Camara. O julgamento dos responsáveis, há muito adiado, apenas teve lugar em 2022, sob a égide da Junta de Doumbouya, embora tenha decorrido de forma irregular.
A resistência civil da Guiné foi construída a partir de um longo legado de um regime repressivo e irresponsável. Os guineenses sofreram muito com o reinado ditatorial de 25 anos (1958-1984) de Sekou Touré, seguido do regime de 24 anos (1984-2008) do general Lansana Conté.
Estas dificuldades e estes direitos duramente conquistados gravaram na mente guineense um profundo compromisso com a democracia. O limite de mandatos é uma questão particularmente importante, tendo em conta os extensos períodos dos regimes anteriores. É por isso que a resistência ao terceiro mandato,inconstitucional, de Alpha Condé, foi tão impulsiva e generalizada.
A questão que se coloca agora aos guineenses é saber se 2024 será o ano em que o país retomará a via democrática. Se o fizer, abrirá o país a novos investimentos, ao desenvolvimento e ao crescimento económico. Na sua década de progresso democrático, a Guiné registou uma taxa média anual de crescimento económico per capita de 2,9%. Em comparação com o crescimento económico de menos de 1% durante o período de 25 anos anterior a 2010.
O regresso a um regime democrático civil também permitirá maior abertura das forças armadas guineenses a um espetro mais sólido de cooperação em matéria de segurança.
O regresso a um regime democrático também permitirá maior abertura das forças armadas guineenses a um espetro mais robusto de financiamento e formação no âmbito da cooperação em matéria de segurança, aspecto crucial tendo em conta a tual situação de insurreição islâmica militante no Mali se aproxima cada vez mais da fronteira norte da Guiné.
As intervenções russas para destabilizar a transição guineense são de esperar, dado o longo envolvimento da Rússia na exploração mineira de bauxite na Guiné, o apoio de Moscovo ao terceiro mandato de Condé, a enorme influência da Rússia junto das outras juntas militares do Sahel e os esforços propositados do Kremlin para minar a democracia noutras partes de África.
Apesar dos muitos obstáculos para uma transição democrática de formapacífica em 2024, existem trajetórias viáveis, incentivos e vontade popular para que os guineenses a realizem. É provável que o resultado dependa da persistência da sociedade civil guineense, do vigor do empenhamento da CEDEAO e dos atores democráticos internacionais e das garantias dadas aos militares numa Guiné pós-junta.