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O Presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, fez carreira política adiando eleições, o que lhe permitiu continuar como presidente o desde 2005, apesar de legitimado somente para um mandato de 4 anos, após a votação para a independência do Sudão do Sul em 2011. Desde então, já efetuou extensões em 2015, 2018, 2020 e 2022.
O anúncio de Kiir de que haverá eleições em 2024 é, por isso, digno de registo. A sua intenção de se apresentar como candidato, pelo contrário, não é surpreendente. É o único presidente que este país de 11 milhões de habitantes, o mais jovem de África, alguma vez conheceu. Empurrado para a liderança política nacional após a morte prematura, em 2005, do líder da independência do Sudão do Sul, John Garang, o antigo comandante do exército de guerrilha, de 72 anos, parece querer manter o poder indefinidamente. Para além do continuio adiamento das eleições, Kiir beneficia de uma Constituição de transição de 2011 que não prevê um limite para os mandatos presidenciais (embora o Diálogo Nacional de 2020 tenha apelado unanimemente à adoção de um limite).
O Sudão do Sul tem enfrentado uma grande turbulência desde que entrou em guerra civil em 2013 —resultado de uma rivalidade política de longa data entre Kiir e Riak Machar —com fortes conotações étnicas, uma vez que cada líder mobilizou o apoio das suas respetivas bases étnicas, Dinka e Nuer, as duas maiores do Sudão do Sul.
As milícias armadas vagueiam pelos campos, praticando atos de violência e pilhagem com impunidade.
Calcula-se que o conflito tenha custado mais de 400.000 vidas. Embora atualmente seja considerado um conflito de baixa intensidade, as milícias armadas (muitas vezes de base étnica) vagueiam pelos campos, praticando atos de violência e pilhagem com impunidade. O trauma e o medo desta violência estão profundamente enraizados na população. Lamentavelmente, o Sudão do Sul é o país com a maior perpecentagem de população refugada (42%), no continene africano. Normalmente, os refugiados regressam quando existam condições de segurança para o fazerm. O facto de resistirem a fazê-lo no Sudão do Sul é, portanto, revelador da situação de insegurança que prolifera no país.
A estas tensões, juntou-se a eclosão de um conflito no Sudão, em 2023. Esta situação levou a que mais de 400 000 refugiados sul-sudaneses fossem obrigados a regressar à insegurança do seu país de origem, do qual tinham tentado fugir. Com três quartos da população do Sudão do Sul a necessitar de assistência humanitária, estas últimas deslocações irão sobrecarregar ainda mais os esforços de assistência, já de si muito esgotados.
O Sudão do Sul representa, sem dúvida, o ambiente eleitoral mais difícil que África enfrentou nos últimos anos. O país está classificado no último lugar ou perto do último lugar a nível mundial no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, no Índice de Liberdade Global da Freedom House e no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional.
O Sudão do Sul é um país extenso sem acesso ao mar, do tamanho do Afeganistão, com terreno acidentado e planícies baixas, deixando metade dos distritos sujeitos a inundações que deslocam até um milhão de pessoas anualmente. O rendimento per capita do Sudão do Sul diminuiu para cerca de um quarto do que era aquando da independência, apesar das consideráveis receitas do petróleo, que são em grande parte controladas pela elite sul-sudanesa com ligações ao governo.
Talvez o maior impedimento à realização de eleições viáveis no Sudão do Sul seja a falta de vontade política para realizar eleições, criar órgãos de supervisão independentes, controlar a corrupção ou criar um exército profissional.
Apesar destes desafios logísticos e económicos, talvez o maior impedimento à realização de eleições viáveis no Sudão do Sul seja a falta de vontade política, não só para realizar eleições, mas também para criar órgãos de supervisão independentes, controlar a corrupção ou criar uma força militar e policial profissional. As instituições políticas são fracas ou inexistentes, perpetuando uma partilha de poder ou uma responsabilização limitadas. Para além da insegurança generalizada, os líderes políticos da oposição, os líderes da sociedade civil e os jornalistas são regularmente ameaçados de violência ou de detenção.
As eleições de 2024 estão ainda sujeitas à realização de um recenseamento conduzido pelo governo e à adoção de uma nova constituição — exercícios institucionais difíceis em qualquer circunstância. Estas condições prévias podem ainda servir de pretexto para novos atrasos eleitorais e prorrogação de mandatos.
Apesar destes graves desafios, o Sudão do Sul tem uma sociedade civil resiliente que continua a exigir reformas, maior transparência e responsabilização do governo. A rede de igrejas do Sudão do Sul tem sido uma fonte particularmente importante de capital social e um meio para mediar o diálogo entre as diversas comunidades do país ao longo dos anos.
Um dos principais objetivos dos reformadores tem sido a aprovação da Lei das Eleições Nacionais em 2023, que institui uma maior representação geográfica, bem como definir um limite de 35% de representação feminina, nas listas dos partidos. A lei tem como objetivo garantir a inclusão e reduzir a monopolização do poder por um único partido. Uma segunda lei de interesse é a Lei dos Partidos Políticos, que prevê mecanismos para regular os partidos políticos do Sudão do Sul, notoriamente orientados para o culto da personalidade, através da defesa da governação democrática interna e de normas de responsabilização nos estatutos dos partidos.
O país iniciou também um esforço, há muito adiado, para criar um exército nacional unificado com 83.000 efetivos, integrando as forças das milícias da oposição. Os primeiros destacamentos desta força unificada ocorreram no final de 2023.
Dado o contexto difícil em que se encontra o Sudão do Sul, é provável que qualquer progresso democrático em 2024 seja gradual. No entanto, os esforços no sentido de promover órgãos de supervisão mais independentes, como uma comissão eleitoral, um comité de redação da constituição, um censo, um banco central e um conselho de supervisão da segurança, seriam fundamentais para criar instituições políticas que respondam às aspirações dos cidadãos do Sudão do Sul. Isto será essencial para afastar a classe política altamente polarizada do Sudão do Sul das mentalidades de governação do tipo “o vencedor leva tudo” que têm sido tão destrutivas.