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Mali: 4 de fevereiro


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Apesar das repetidas garantias, a junta militar do Mali voltou a adiar a realização de eleições para restabelecer um governo civil democrático.

A última promessa não cumprida seria a realização de eleições presidenciais a 4 de fevereiro de 2024. Esta data foi adiada indefinidamente em setembro de 2023 devido a “razões técnicas”. Só os mais ingénuos ficaram surpreendidos com este anúncio. A junta militar do coronel Assimi Goïta não fez qualquer esforço sério para preparar as eleições desde que derrubou o governo democraticamente eleito de Ibrahim Boubacar Keïta, em agosto de 2020. Keïta tinha ganho um segundo mandato de quatro anos em eleições credíveis em 2018, com 67% dos votos.

Goïta fez outro golpe de Estado em maio de 2021, quando o então presidente de transição Bah Ndaw e o seu primeiro-ministro, Moctar Ouane, começaram a tomar medidas para organizar eleições, em conformidade com o compromisso assumido pela junta de uma transição de 18 meses que deveria culminar em eleições em fevereiro de 2022. Depois de novas negociações e promessas com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, durante as quais a junta de Goïta pediu uma transição de 5 anos, foi fixada a data de fevereiro de 2024.

O espaço democrático reduziu-se drasticamente sob a égide da Junta.

O espaço democrático reduziu-se drasticamente sob a égide da junta. Os opositores políticos e os atores independentes da sociedade civil são intimidados, enquanto os jornalistas são ameaçados, veem as suas credenciais revogadas ou são detidos. Os meios de comunicação social são pressionados a fazer uma cobertura de “notícias patriótica”. Os meios de comunicação social nacionais e internacionais que criticaram a junta foram suspensos. Foi o caso da Radio France Internationale (RFI) e da France 24, que noticiaram violações dos direitos humanos cometidas pela junta do Mali. O efeito foi um aumento significativo da ocensura.

A junta é também contra a divulgação do acordo para a entrada de cerca de 1.000 homens do Grupo mercenário russo Wagner, com um custo mensal estiamdo de 10,9 milhões de dólares. O Grupo Wagner e a junta do Mali foram associados a mais de 300 casos de violação dos direitos humanos contra cidadãos malianos.

A junta tem tido igualmente uma atitude hostil em relação à Organização das Nações Unidas (ONU), pelo seu papel na investigação das alegadas violações dos direitos humanos no país. A junta declarou Guillaume Ngefa-Atondoko Andali, diretor para os direitos humanos da operação de manutenção da paz das Nações Unidas (MINUSMA), persona non grata em 2021 por não promover a narrativa da junta. Em 2023, A junta militar exigiu a retirada do país da MINUSMA, o principal organismo independente a expor as violações dos direitos humanos cometidas, como as alegações do massacre de 500 civis malianos pelos militares do Mali e pelo Grupo Wagner na cidade de Moura, em 2022. A segurança deteriorou-se subsequentemente em muitas das regiões do Norte e do Centro do Mali de após a saída da MINUSMA.

A junta do Mali tem conseguido controlar o espaço de informação com o apoio de campanhas de desinformação patrocinadas pelo Estado russo, que conduzem largas operações de informação expansivas no país e utilizam o espaço online para intimidar e reprimir as críticas à junta.

Em junho de 2023, a junta organizou um referendo que lhe permitiu consolidaru o poder na presidência e a integração de diferentes elementos da junta na formação de um novo governo. Inexistência de transparência e credibilidade no processo, levou ao seu boicote por parte de opositores políticos e uma grande parte da sociedade civil. Estima-se que apenas 28% dos eleitores elegíveis tenham participado.

People hold up signs that read "vote no in the referendum" during a march in Bamako, Mali.

Pessoas seguram cartazes que dizem “vote não no referendo” durante uma mnifestação em Bamako, a 16 de junho de 2023, organizada pela Associação de Imãs contra a nova Constituição apoiada pela junta. Milhares de pessoas reuniram-se numa manifestação contra a alteração da Constituição antes do referendo de 18 de junho de 2023 no Mali. (Foto: AFP/Stringer)

Apesar de diversas ações de intimidação, os grupos políticos s continuam a opor-se à tomada do poder pelos militares. A coligação política Movimento 5 de junho-Rali das Forças Patrióticas (M5-RFP) e outros grupos da oposição denunciaram o adiamento das eleições. Como observou um membro do partido da oposição: “para nós, cada extensão levará sempre a outra extensão”.

A maior conclusão a retirar do adiamento das eleições de fevereiro de 2024 pela Junta é a aparente intenção de protelar no tempo o atual governo militar. Após a independência, as forças armadas governaram o Mali durante a maior parte do período até à transição para o governo civil em 1991, deixando um legado de golpes de Estado, desenvolvimento económico anémico e repressão.

Desde o golpe de Estado de agosto de 2020, Goïta tem participado repetidamente em cerimónias públicas para reabilitar a percepção da governança militar. Pouco depois de tomar o poder, Goïta procurou o conselho do antigo ditador militar Moussa Traoré durante uma visita pública à residência deste, em Bamako. Durante as cerimónias do Dia da Independência do Mali, os soldados cumprimentaram e deram as boas-vindas ao antigo líder do golpe de Estado de 2012, o General Amadou Haya Sanogo.

Embora o adiamento das eleições de 4 de fevereiro no Mali possa ser ignorado pelos observadores, a data tem significado para muitos malianos – e para a trajetória da governação e das perspectivas democráticas do Mali.