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Moçambique: 9 de outubro


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As eleições presidenciais e legislativas de 2024 em Moçambique são marcadas por um crescente sentimento de autoritarismo e impunidade do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

As eleições autárquicas de outubro de 2023 deram uma imagem do que se pode esperar em 2024. A Comissão Nacional de Eleições declarou que a FRELIMO tinha ganho 64 dos 65 círculos eleitorais, mesmo em zonas conhecidas como bastiões do partido Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). Contagens de votos paralelas efetuadas por um consórcio de observadores eleitorais independentes, liderado pela Igreja Católica, mostraram que a RENAMO ganhou alguns municípios, incluindo, Maputo, pela primeira vez.

Os protestos tiveram como resposta uma forte repressão policial, em pelo menos quatro pessoas foram mortas. A polícia fez uma rusga à sede da RENAMO em Maputo, prendendo dezenas de apoiantes.

O recurso da RENAMO nos tribunais levou à anulação de alguns resultados, à recoantagem de votos, e ainda à realização de novos atos eleitorais. No entanto, estas decisões foram anuladas pelo Conselho Constitucional nomeado pela FRELIMO, que decidiu que os tribunais inferiores não tinham competência para anular ou ordenar recontagens eleitorais. O Conselho Constitucional acabou por determinar que a FRELIMO tinha ganho 56 municípios, a RENAMO tinha ganho 4 (contra os seus anteriores 8) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) tinha ganho 1. Uma nova votação deveria ter lugar em quatro outros municípios.

O multipartidarismo em Moçambique é cada vez mais um sistema inócuo.

As eleições autárquicas demonstram que o multipartidarismo moçambicano está a tornar-se cada vez mais um sistema só no nome. A FRELIMO percebeu claramente em que medida pode efetuar manipulação evidente das eleições sem gerar críticas por parte dos principais intervenientes, anível nacional ou internacional.

As eleições presidenciais de 2019 foram igualmente marcadas por relatos credíveis de urnas repletas de votos, intimidação de observadores eleitorais, discrepâncias graves nos registos de votos e irregularidades no apuramento. A Comissão Nacional de Eleições declarou o Presidente Filipe Nyusi vencedor com uns improváveis 73% dos votos. A sociedade civil e os observadores internacionais caracterizaram as eleições como as menos justas desde o regresso às eleições multipartidárias em 1994. Uma missão de acompanhamento das eleições da União Europeia em 2022 constatou que foram poucos ou inexistentes pos progressos na implementação de qualquer uma das 20 recomendações emitidas após as problemáticas eleições de 2019.

As eleições legislativas de 2019 permitiram à FRELIMO aumentar a sua maioria na Assembleia da República, com 250 lugares, de 144 para 184 lugares, em detrimento da RENAMO e do MDM. De igual modo, a FRELIMO elegeu todos os 10 governadores provinciais.

É este o ambiente político em que se desenrolam as eleições de 2024.

A FRELIMO tem dominado a política moçambicana desde o regresso das eleições multipartidárias em 1994, após a devastadora guerra civil de 15 anos com a RENAMO, que causou cerca de 1 milhão de mortos.

Quando a RENAMO se transformou num partido político, obteve 45% e 47% dos assentos parlamentares nas eleições de 1994 e 1999, respetivamente, descendo para 20% em 2009. A RENAMO acusou a FRELIMO de manipular os resultados eleitorais, o que desencadeou um conflito de baixa intensidade entre 2011-2016, que só terminou após um novo acordo de paz em 2019.

Mozambique Police forces are seen stationing in front of the Technical Secretariat of Electoral Administration

Forças policiais de Moçambique estacionadas em frente ao edifício do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral enquanto apoiantes do partido da oposição moçambicana Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) se manifestam para denunciar a fraude nas eleições autárquicas em Maputo, a 17 de outubro de 2023. (Foto: AFP/Alfredo Zuniga)

O ousadia da FRELIMO em engendrar resultados eleitorais desequilibrados reflete, aparentemente, o seu sentimento de perpetuar no tempo a sua vontade de querer governar Moçambique. Esta é uma atitude observada por outros partidos de libertação na África Austral e Oriental, patente nas recentes eleições no Zimbabwe e no Uganda. Reforça também um esforço para normalizar os sistemas partidários dominantes em África, seguindo o modelo do Partido Comunista da China.

A ausência de um sistema multipartidário competitivo elimina um elemento central da autocorreção democrática. Também fomenta um sentimento de impunidade por parte da FRELIMO, desenvolvido ao longo de anos de controlo de todas as principais instituições do Estado, de que pode efetivamente assumir atitudes com pouco risco de perder o poder. Este facto contribuiu para o persistente fraco desempenho de Moçambique nos últimos anos.

Os moçambicanos registaram uma estagnação do produto interno bruto (PIB) per capita na última década, apesar das abundantes receitas provenientes dos recursos naturais. A economia tem sido prejudicada por uma corrupção persistente a alto nível, que se tornou mais evidente com o escândalo dos “tuna bond”, no valor de 2 mil milhões de dólares, e que levou Moçambique a entrar em incumprimento da sua dívida soberana. Estima-se que a fraude tenha custado ao país 11 mil milhões de dólares, o equivalente ao seu PIB anual.

Este desempenho insuficiente e a falta de responsabilização também se refletem na incapacidade de Moçambique para garantir a segurança dos seus cidadãos face a uma insurreição militante islâmica que varreu Cabo Delgado em 2017. Esta ameaça acabou por exigir a intervenção da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e das forças ruandesas. As forças moçambicanas em Cabo Delgado enfrentam elevados níveis de desconfiança e uma reputação de rapto para obtenção de resgate, extorsão e roubo de bens.

O modelo de partido dominante promove uma vontade política limitada para prosseguir reformas.

O modelo do partido dominante fomenta uma vontade política limitada para prosseguir as reformas destinadas a melhorar os meios de subsistência dos cidadãos. Isto é ampliado pelo controlo do estado sobre os meios de comunicação que obscurece a análise objetiva das políticas. A liberdade de imprensa em Moçambique tem vindo a diminuir nos últimos anos. Os jornalistas de investigação, tendencilamente persistentes na denúncia ddde situações de corrupção são intimidados, detidos e alguns acabam por ser vítimas de homicídios premeditados. A ausência de uma comunicação social vibrante anula o papel educativo e galvanizador que ela pode desempenhar na prossecução de reformas.

Um modelo de governança que priva sistematicamente os cidadãos dos seus direitos, deixando-lhes poucos recursos legais, só pode aumentar as perspectivas de instabilidade, com efeitos devastadores para o país e implicações duradouras para a região.

Apesar das desigualdades, a RENAMO tenciona concorrer às eleições presidenciais e legislativas de 2024. O seu cabeça de cartaz será provavelmente Ossufo Momade, que assumiu a liderança do partido em 2018, após o falecimento do líder de longa data da RENAMO, Afonso Dhlakama. No entanto, existem outros membros que o partido pode escolher o presidente do município de Quelimane, Manuel de Araújo, ou o candidato a presidente do município de Maputo, Venâncio Mondlane (que ganhou de acordo com os resultados do apuramento paralelo dos votos) — ambos candidatos dinâmicos — para atrair mais apoio para o partido.

A FRELIMO ainda não nomeou o seu candidato presidencial. O Presidente Nyusi está limitado pelo número de mandatos e, portanto, não poderá concorrer. No entanto existem rumores de que terá considerado seriamente a possibilidade de o fazer. O seu sucessor preferido é Carlos Ismael Correia, que é tido como um político que daria continuidade às políticas da FRELIMO.

Mais importantes do que os candidatos serão, em muitos aspectos, os esforços dos atores da sociedade civil que continuam a defender reformas – para a integridade eleitoral, a independência dos meios de comunicação social e a transparência das finanças públicas. Dado o campo de jogo eleitoral altamente desigual, o seu ritmo de progresso pode ser o barómetro mais revelador para as eleições de 2024 em Moçambique. Como uma das instituições mais respeitadas do país, a Igreja Católica continuará a desempenhar um papel vital, servindo como uma espécie de consciência moral e fonte de responsabilização para os funcionários públicos. Mais uma vez, os seus esforços paralelos de apuramento dos votos serão indispensáveis para discernir as verdadeiras preferências dos eleitores, tornando a credibilidade a palavra-chave a ter em conta nestas eleições.