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Senegal: 24 de março*


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*Adiado de 25 de fevereiro. Veja o explicador.


O anúncio do Presidente Macky Sall, em 3 de Fevereiro, de adiar as eleições presidenciais três semanas antes da data prevista lançou o Senegal numa turbulência política. O Senegal nunca sofreu um adiamento de eleições. Uma subsequente votação controversa da coligação governante de Sall para adiar as eleições presidenciais até 15 de dezembro teria prolongado o mandato de Sall em oito meses em relação ao limite constitucionalmente determinado. Após uma forte resistência por parte dos intervenientes nacionais e internacionais e uma decisão do Conselho Constitucional que considerou o adiamento ilegal, Sall abrandou e marcou uma nova data de eleições para 24 de março.

As eleições presidenciais de 2024 no Senegal, representam um momento crucial no percurso do país rumo a uma governança mais responsável, reativa e democrática. O Presidente Mack Sall vai abandonar o seu segundo mandato, limitado pela Constituição, e as eleições darão lugar a uma nova liderança nacional pela primeira vez em mais de uma década.

O Senegal registou progressos notáveis desde a primeira transição entre partidos em 2000, quando o presidente em exercício, Abdou Diouf, perdeu a sua candidatura à reeleição e saiu do cargo. Em 2012, registou-se mais um caso em que um candidato de um partido da oposição (Macky Sall) ganhou as eleições e assumiu o cargo — um dos indicadores de uma democracia em consolidação.

An opposition rally in Dakar, Senegal.

Uma manifestação da oposição em Dakar, Senegal. (Foto: AFP/Guy Peterson)

Um fator instrumental para o progresso democrático do Senegal tem sido a sua sociedade civil ativa e organizada, caracterizada por uma vibrante participação dos jovens, que tem responsabilizado os funcionários públicos pelo cumprimento dos limites dos mandatos e dos processos democráticos, tarefa nem sempre fácil ou simples.

O órgão de gestão eleitoral do Senegal, a Comissão Nacional Autónoma de Eleições, tem assumido uma atitude isenta e independente em termos de atuação. O atual partido no poder perdeu lugares nas eleições legislativas e municipais de 2022 e 2023, respectivamente. O primeiro é significativo na medida em que alterou o panorama legislativo, passando de uma quase super-maioria da coligação Benno Bokk Yaakaar (BBY), no poder, para uma quase paridade com uma coligação de partidos da oposição, o que exige um verdadeiro debate e compromisso. A oposição também controla atualmente as maiorias nas principais autarquias do Senegal.

Além disso, o Senegal distinguiu-se dos seus vizinhos da África Ocidental ao criar e manter um exército apolítico com uma “cultura de profissionalismo militar” e de serviço público. Este facto contribuiu significativamente para a estabilidade do país e para a confiança doscidadão. A maioria dos senegaleses, cerca de 85% diz confiar nas forças armadas. Esta percentagem é das mais elevadas no continente.

Os últimos anos do mandato do Presidente Macky Sall foram marcados por ameaças aos progressos democráticos do país.

Apesar destas louváveis qualificações democráticas, os últimos anos do mandato do Presidente Macky Sall foram marcados por uma tensão crescente e por ameaças aos progressos democráticos do país. O primeiro foi o flerte prolongado de Sall com a disputa por um terceiro mandato constitucionalmente proibido – ainda mais alimentado pela sua proposta de adiar as eleições de 2024. Muitos senegaleses viram na atitude de Sall, uma tendência para seguir os líderes africanos que contornam os limites de mandatos e minar o precedente duramente conquistado pelo país nesta matéria.

Em segundo lugar, o governo de Sall tentou impedir Ousmane Sonko, considerado um dos principais candidatos do partido Patriotas Africanos do Senegal para o Trabalho, a Ética e a Fraternidade (PASTEF), de concorrer. Sonko, Presidente da Câmara Municipal de Ziguinchor, é popular entre a juventude do Senegal pela sua retórica inflamada e por tomar posições fortes contra a corrupção. Enfrentou várias acusações, incluindo insurreição, amplamente consideradas como manobras políticas, e passou grande parte do último ano na prisão ou no hospital, na sequência de uma greve de fome para protestar contra o que considerava ser uma detenção injustificada. A repressão policial aos protestos em torno da sentença e dos julgamentos de Sonko levou supostamente a 50 mortes entre 2021 e 2023 entre esta população tipicamente pacífica. Outras centenas foram presas. Uma Lei de Amnistia aprovada nas negociações para reagendar as eleições libertaria os manifestantes políticos detidos desde 2021. Ao mesmo tempo, grupos de direitos humanos criticaram a amnistia, dizendo que exoneraria os funcionários do governo e de segurança envolvidos na repressão violenta durante o mandato de Sall.

Muitos observadores independentes consideraram as acusações contra Sonko como politicamente motivadas, uma vez que seguem um padrão, que remonta às eleições de 2019, em que a administração de Sall acusou os principais candidatos da oposição de atividades criminosas, garantindo efetivamente a desistência das suas candidaturas. Sonko, juntamente com Karim Wade (filho do ex-presidente Abdoulaye Wade), foram impedidos de concorrer em 2019 devido a acusações criminais feitas pelo governo. Wade também está impedido de concorrer em 2024 devido à sua dupla nacionalidade.

Senegal: courthouse where the trial of opponent Ousmane Sonko was being held

Polícias e “gendarmes” senegaleses à entrada do tribunal de Dakar, onde decorria o julgamento de Ousmane Sonko, a 1 de junho de 2023. (Foto: AFP/Seyllou)

A eleição presidencial é vista como aberta. O porta-estandarte da coligação BBY de Sall é o antigo primeiro-ministro Amadou Ba, antigo ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. Bassirou Faye, um inspetor fiscal de 43 anos, é o líder da festa PASTEF de Sonko.

Outros principais candidatos da oposição incluem o ex-prefeito de Dakar, Khalifa Sall, (sem parentesco com Macky Sall), o ex-primeiro-ministro (2002-2004) Idrissa Seck, ex-primeiro-ministro (2014-2019) Mahammed Boun Abdallah Dionne, prefeito da cidade de Linguere e a antiga ministra da Energia e do Interior, Aly Ngouille Ndiaye, e Anta Babacar Ngom, a única candidata mulher e chefe da maior empresa avícola do Senegal.

O Senegal emprega um sistema de votação em duas voltas, exigindo que o candidato vencedor obtenha mais de 50 por cento dos votos.

Nos últimos anos, assistiu-se também a uma pressão sem precedentes sobre os meios de comunicação social senegaleses, que há muito gozam de uma tradição de independência. Isto inclui detenções ilegais, ataques e perseguições judiciais. Vários jornalistas de renome foram acusados de perturbação da paz e de insurreição por terem criticado o governo. Os tribunais têm normalmente rejeitado estes casos, mas por vezes só depois de vários meses de detenção. Esta situação pode ter originado uma maior conteção quanto à liberdade de imprensa e de expressão, muito prezada no Senegal. O governo de Sall também bloqueou periodicamente o Facebook, o WhatsApp, o Instagram, o Telegram, o YouTube e o TikTok. De acordo os Repórteres sem Fronteiras, a classificação do Senegal em matéria de liberdade de imprensa desceu 55 lugares, passando do 49 lugar, entre 180 países, para o 104, entre 2021 e 2023.

As eleições de 2024 no Senegal constituirão uma oportunidade para reconstruir a coesão social e abordar uma série de questões estratégicas.

Espera-se que as eleições constituam uma oportunidade para os senegaleses virarem a página e se concentrarem nas prioridades futuras do país. Um dos aspetos mais importantes é a resolução do problema do desemprego jovem, cerca de 20%, apesar de o crescimento económico anual per capita ter sido, em média, de 3,4%, durante o mandato de Sall. Estas incongruências fazem parte de um padrão de desigualdades crescente sentidas no Senegal em conjunto com um elevado crescimento da população do Senegal (um ritmo de 2,5% ao ano), levando a que cerca de 43% da população tenha menos de 15 anos de idade. O Senegal também se confronta com a perda de terras aráveis devido a inundações costeiras provocadas pelo aumento do nível médio do do mar e a secas no interior, com implicações políticas diretas num país onde três quartos da mão de obra vivem da terra.

Com a ameaça crescente do extremismo violento no Mali a estender-se para oeste, o Senegal também enfrenta um risco acrescido de violência militante islâmica. Isto é reforçado por indicações de que estes grupos militantes (nomeadamente Katiba Serma) estão a tentar estabelecer-se entre as comunidades do leste do Senegal, que se sobrepõem às do outro lado da fronteira.

O Senegal também enfrenta a expansão de campanhas de desinformação patrocinadas pela Rússia que ameaçam fomentar a destabilizar a democracia, o governo e os relações internacionais s do Senegal com o Ocidente.

As eleições de 2024 no Senegal representam uma oportunidade para reconstruir a coesão social e preparar o país para novos desafios estratégicos.