English | Français | Português | العربية
Veja nossas últimas publicações em português.
A África do Sul enfrenta em 2024 as eleições nacionais mais imprevisíveis da era pós-apartheid. Em todos os escrutínios desde 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC) venceu as eleições obtendo uma maioria parlamentar absoluta, permitindo-lhe escolher de forma independente o Presidente e iniciar a legislatura.
Isso pode mudar durante este ciclo eleitoral. As sondagens sugerem que, pela primeira vez, o ANC poderá receber menos de 50% dos votos nacionais — um padrão semelhante ao observado nas recentes eleições autárquicas e locais.
O declínio da popularidade do ANC prossegue um padrão constante observado desde 2007, atribuído auma crescente percepção de corrupção sistémica no seio do partido, à insularidade do ANC em relação aos sul-africanos comuns e uma baixa qualidade na gestão e prestação de serviços públicos, nomeadamente os apagões contínuos de eletricidade. A África do Sul também se debate com problema de desigualdades sócio-ecónomicas entre a população. Mais de 60% dos jovens entre os 15 e os 24 anos estão desempregados e muitos dos bairros urbanos da África do Sul são visivéis as carências alimentares. O longo domínio do ANC faz com que lhe sejam imputadas responsabilidade pela polução Sul africana.
O declínio da popularidade do ANC é atribuído a percepções de corrupção crescente, insularidade em relação aos sul-africanos comuns e má prestação de serviços.
Entretanto, os partidos da oposição aumentaram a sua capacidade, experiência e influência na formação de coligações, o que lhes permitiu reduzir progressivamente as maiorias parlamentares do ANC ao longo do tempo. incluindo em bastiões históricos do ANC.
A percepção de impunidade, associada ao sistema político de partido dominante, tornam o ANC — e, por conseguinte, o governo — vulnerável à captura do Estado (controlo da tomada de decisões do governo pelo sector privado ou por agentes externos). A influência da rede de interesses privados dos irmãos Gupta na administração de Jacob Zuma, carregada de clientelismo, foi a mais conhecida.
Apesar de o ANC ter substituído Zuma como líder do partido em 2018 por Cyril Ramaphos, abrindo caminho para que este liderasse o partido nas eleições de 2019, o ANC continua a ser afetado por divisões internas. Embora Ramaphosa tenha aumentado lentamente o seu apoio no seio da arquitetura partidária e venha a ser novamente o cabeça de lista nas eleições de 2024, o partido está cada vez mais fragmentado. O apoio de Zuma a um novo partido, o uMkhnoto weSizwe, é um desafio direto à liderança de Ramaphosa. Este facto surge na sequência da formação de um outro partido, o Congresso Africano para a Transformação, pelo antigo Secretário-Geral do ANC, Ace Magashule, após a sua expulsão do partido por má conduta.
Independente do número de votos que possa obter, o ANC continua a ter mais apoio do que qualquer outro partido político na África do Sul. O principal partido da oposição é a Aliança Democrática (DA), liderada por John Steenhuisen, que, segundo as sondagens, poderá obter entre um quarto e um terço do eleitorado, apoiando-se essencialmente numa plataforma de boa governança e de luta contra a corrupção. No entanto, o facto de ser um partido dominado por brancos, tende a criar uma perepção desfavorável. O DA fez uma aliança chamada Carta Multipartidária para a África do Sul com seis pequeno partidos.
O ANC enfrenta também o desafio do partido dos Combatentes da Liberdade Económica (EFF), liderado pelo ex-líder da Liga da Juventude do ANC, Julius Malema. O EFF apelou a políticas populistas como a habitação providenciada pelo Estado, a nacionalização de minas e de outros sectores estratégicos da economia e a redistribuição de terras. As sondagens sugerem que o EFF atrai cerca de 10% do eleitorado.
Em vez de votarem num partido da oposição, os apoiantes descontentes do ANC poderão simplesmente não comparecer nas urnas, contribuindo para a incerteza quanto ao desenrolar deste ciclo eleitoral.
Continua em aberto a questão de saber se os partidos da oposição podem capitalizar esses desafios e apresentar alternativas viáveis ao ANC. No entanto, a dinâmica global é tal que a África do Sul está a evoluir para uma forma de política de coligação a nível nacional. Trata-se de uma mudança radical que exige uma adaptação à partilha do poder e compromissos.
Enquanto navega por estas adaptações, a África do Sul tem a vantagem de dispor de instituições democráticas sólidas que podem proteger contra os abusos de poder. A Comissão Eleitoral independente é amplamente reconhecida como competente e imparcial. Os tribunais do país emitem regularmente decisões que limitam o excesso de poder do governo. O governo tem um Procurador Público independente e ativo que pode investigar e acusar os funcionários públicos de abusos de poder. Foi este gabinete, amplificado pelos meios de comunicação social independentes da África do Sul, pela sociedade civil e pelo envolvimento parlamentar, que levou à criação da Comissão Judicial de Inquérito sobre Alegações de Captura do Estado.
É de sublinhar que a África do Sul também beneficia de um exército apolítico e profissional que se tem abstido de se envolver em políticas partidárias.
Uma outra ameaça ao reforço da democracia sul-africana é a violência política persistente, nomeadamente os assassínatos de rivais políticos. Esta tática criminosa de obtenção de poder está a escalar em algumas regiões do país. Muitas vezes impunes, os assassinatos políticos normalizaram-se, o que, por sua vez, intensifica a polarização política. Só no ano passado, registaram-se 20 assassinatos políticos de vereadores na província de KwaZulu-Natal, muitas vezes ligados a lutas internas entre facções do ANC e entre as ramificações do partido.
As eleições na África do Sul serão um teste à capacidade do país para utilizar os processos democráticos para forjar novas alianças internas e colocar o país numa via de reforma.
As eleições sul-africanas também têm de enfrentar a perspetiva de interferência russa nas eleições, em consonância com os seus esforços noutras partes do continente. A Rússia tem estado ativa na promoção da desinformação na África do Sul para fomentar a polarização e a desilusão para com a democracia.
As eleições na África do Sul representam uma avaliação da forma como o ANC está a lidar com a evolução dos desafios sociais e económicos que o país enfrenta. Constituirão também um teste à capacidade do país para utilizar os processos democráticos para forjar novas alianças internas para enfrentar estes desafios e colocar o país numa via de reforma.