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Presidenciais
30 de novembro
A Guiné-Bissau enfrenta um ambiente eleitoral turbulento em 2025, algo familiar para este país costeiro da África Ocidental, com 2 milhões de habitantes, que há muito oscila de crise em crise
A Guiné-Bissau deveria ter ido às urnas em dezembro de 2024, mas, a 4 de novembro, o Presidente Umaro Sissoco Embaló adiou as eleições. As justificações para o adiamento foram marcadas pela opacidade e estão a ser contestadas pela oposição como inconstitucionais, perpetuando uma grande incerteza quanto à data de realização das eleições legislativas e presidenciais.

Presidente Úmaro Sissoco Embaló (Foto: DakarActu TV)
Alguns observadores afirmam que o mandato eleitoral de Embaló termina a 27 de fevereiro de 2025 e que é necessário realizar eleições antes dessa data. Embaló, por sua vez, sustenta que o seu mandato se estende até setembro e que as eleições presidenciais podem ocorrer em novembro. Parece que Embaló poderá estar a tentar que as eleições legislativas antecedam as presidenciais, na esperança de recuperar uma maioria parlamentar que o ajude a vencer uma disputa presidencial no final do ano.
No centro da disfunção da governança estão interpretações divergentes sobre o papel do executivo no sistema semi-presidencial da Guiné-Bissau. Neste regime, o Presidente é o Chefe de Estado, enquanto o Primeiro-Ministro, chefe do Governo é escolhido pelo Parlamento, cabendo-lhe a escolha dos ministros e definindo a agenda governativa. Este sistema foi adotado na Constituição de 1993 para reforçar a separação de poderes entre o poder executivo, o parlamento e o poder judicial, como resposta ao regime de 19 anos do Presidente João Bernardo Vieira, que concentrou o poder no executivo, facilitando abusos de poder e impunidade.
O Presidente do Parlamento, Domingos Simões Pereira, e a sua Plataforma Aliança Inclusiva-Terra Ranka (PAI-TR) — uma coligação de pequenos partidos em parceria com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), propuseram reformas constitucionais para clarificar os poderes do Presidente e do Primeiro-Ministro e mitigar rivalidades entre ambos. Embaló, um produto do antigo sistema presidencialista centralizado e próximo das Forças Armadas, pretendia, pelo contrário, garantir uma maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho de 2023 para impor a sua visão revanchista do poder presidencial numa nova.
O PAI-TR saiu vitorioso, conquistando uma maioria de 54-48 no Parlamento. Além disso, a coligação conta com o apoio de mais 12 deputados de partidos alinhados, limitando, assim, a visão expansionista de Embaló para a autoridade presidencial.
Embaló reagiu a este revés criando um gabinete-sombra de “conselheiros presidenciais”, composto por antigos ministros e funcionários da segurança com ligações estreitas às forças armadas e à polícia. Além disso, tentou anular a autoridade legislativa ao dissolver o Parlamento duas vezes (incluindo em dezembro de 2023), alegando tentativas de golpe de Estado, e ao demitir o primeiro-ministro eleito pelo Parlamento, Geraldo Martins. A oposição foi impedida de organizar comícios, enquanto os partidos alinhados com Embaló têm reunido livremente.
O efeito das ações de Embaló tem sido o de perpetuar a paralisia do governo.
O efeito destas ações tem sido o de perpetuar a paralisia do governo. Embora o Parlamento tenha sido oficialmente reaberto em setembro de 2024, os deputados foram impedidos de entrar na Assembleia Nacional, mantendo-se, na prática, encerrada — um resultado que Pereira apelidou de golpe constitucional.
O adiamento das eleições presidenciais de 2024 por parte de Embaló segue um padrão de abandono dos processos institucionais estabelecidos, num esforço para criar mecanismos alternativos que prolonguem o seu tempo no poder e permitam a sua interpretação expansionista da autoridade executiva.
A confusão eleitoral insere-se num padrão prolongado de instabilidade na Guiné-Bissau.
A Guiné-Bissau sofreu quatro golpes de Estado e mais de uma dúzia de tentativas de golpes de Estado, ao longo de 23 anos de governo militar ou de forte influência militar desde a independência de Portugal em 1973. Desde que Embaló adiou as eleições de 2024, em novembro, têm-se registado relatos de tiroteios e rumores de tentativas de golpe de Estado na capital, Bissau.
Antigo brigadeiro-general do exército nacional, Embaló candidatou-se à presidência em 2019 como líder do Movimento para a Alternância Democrática, Grupo dos 15 (Madem G15) — um partido dissidente do PAIGC. Na segunda volta das eleições, obteve 53,5% dos votos contra 46,5% de Pereira, num resultado contestado.
A autoridade governativa na Guiné-Bissau equivale frequentemente ao controlo de redes clientelistas. Isto inclui o tráfico de estupefacientes, o abate ilegal de árvores, o controlo de contratos públicos e o desvio de receitas fiscais. Há-muito tempo que A Guiné-Bissau é considerada o principal centro de tráfico de cocaína na África Ocidental para cartéis de droga latino-americanos. Há indicações de que o contrabando de estupefacientes aumentou durante o mandato de Embaló, sendo que a última grande apreensão de droga ocorreu em 2019. A Guiné-Bissau ocupa a 158º posição lugar entre 180 países do mundo no Índice de Perceção da Corrupção da Transparência Internacional.
Este legado de clientelismo tem estado profundamente ligado aos serviços de segurança.
Este legado de clientelismo está profundamente ligado aos serviços de segurança. Historicamente, as forças armadas e a polícia têm sido utilizadas pelos líderes políticos para proteger os seus interesses. Essa politização, por sua vez, incentivou os chefes militares a usarem as suas posições para defender interesses financeiros próprios e, em alguns casos, para liderar golpes de Estado contra os seus superiores políticos — um fator adicional de instabilidade na Guiné-Bissau.
A persistente instabilidade do país tem afetado a qualidade de vida dos seus cidadãos. Cerca de dois terços da população vivem abaixo do limiar da pobreza e, com uma taxa de mortalidade infantil de 50 mortes por cada 1.000 nados-vivos, a Guiné-Bissau encontra-se atrás da maioria dos países africanos em vários indicadores de desenvolvimento. A melhoria dos serviços de saúde e de educação foi uma pilares da plataforma eleitoral do PAI-TR nas eleições legislativas de 2023 e devrá desempenhar um papel central nas eleições presidenciais de 2025.
A votação de 2025 terá, por conseguinte, implicações significativas não só para as prioridades políticas da Guiné-Bissau, mas também para o seu modelo de governação e para o funcionamento do seu sistema de pesos e contrapesos.

Pessoas esperam à porta de uma assembleia de voto em Bissau, no início de 24 de novembro de 2019, no âmbito das eleições presidenciais na Guiné-Bissau. (Foto: AFP)
Apesar do seu longo historial de instabilidade política, a Guiné-Bissau também possui um registo de eleições e alternâncias de poder relativamente competitivas. Isto deve-se, em parte, à composição profissional da Comissão Nacional de Eleições (CNE). O Secretariado Executivo do CNE é composto por magistrados nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura e eleitos por dois terços do Parlamento para um mandato de quatro anos. No entanto, as dissoluções do Parlamento têm impedido o preenchimento das vagas no Secretariado Executivo, aumentando a incerteza quanto aos preparativos para as eleições. Uma situação semelhante tem impedido o Supremo Tribunal de reunir o quórum necessário para validar as candidaturas.
Na Guiné-Bissau, uma sociedade civil resiliente tem sido o factor de coesão que ajuda o país a resistir às inúmeras tempestades políticas. Isto inclui a resistência a ataques violentos contra jornalistas críticos do governo. Apesar dos numerosos retrocessos, os atores da sociedade civil continuam a insistir em reformas que promovam maior transparência e supervisão na gestão de fundos públicos e na formulação de políticas, de modo a servir melhor os interesses dos cidadãos.
O papel ativo da sociedade civil nas eleições de 2025 será crucial para garantir a credibilidade do processo eleitoral
A Guiné-Bissau também tem beneficiado, ao longo dos anos, do envolvimento ativo de parceiros regionais e internacionais. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), liderada pelo Senegal, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a União Europeia, Portugal, França e o Fundo Monetário Internacional têm desempenhado um papel na estabilização do país. Entre outras iniciativas, esse envolvimento tem incluído o destacamento de operações de paz alargadas, apoio financeiro e a mediação em negociações políticas.
Para além da questão de quando e se as eleições legislativas e presidenciais serão realizadas, a principal narrativa eleitoral na Guiné-Bissau em 2025 será sobre como construir e sustentar o impulso para um sistema de governação estável, garantindo salvaguardas institucionais contra o abuso do poder executivo.
Hany Wahila é assistente de investigação no Centro de estudos estratégicos de África.
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