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O aprofundar das relações entre a China e África no terceiro mandato de Xi Jinping

A iniciar o seu terceiro mandato no poder, Xi Jinping está fortemente empenhado no desenvolvimento da política externa da China, que passa pelo apoio africano às iniciativas da China relativamente à reformulação de instituições internacionais e ao modelo de governação da China.


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O presidente chinês, Xi Jinping, faz o seu discurso durante a reunião de Cooperação China-África (FOCAC) de 2021 em Dakar, Senegal. (Foto: AFP/Seyllou)

Xi Jinping entra no seu terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), e como  líder mais poderoso da China desde Mao Tsé-Tung. Ultrapassando o limite de dois mandatos, mantido por todos os líderes chineses desde Mao, Xi emerge do 20º Congresso Nacional do PCC, juntamente com os seus leais colaboradores que controlam o Comitê Central de 205 assentos e o seu Politburo de 25 assentos, que inclui o Comitê Permanente de 7 membros do Politburo – o principal órgão de liderança da China.

Fações leais a ex-presidentes, os falecidos Jiang Zemin e Hu Jintao, pela primeira vez desde 1992, não têm representação significativa. Xi foi nomeado “líder central”, com autoridade quase absoluta em questões políticas. Um compêndio das suas ideias políticas, chamado “Pensamento Xi Jinping”, está codificado nas constituições do partido e do estado. O Congresso reiterou a missão central do PCC, criar um ambiente propício para fazer da China a potência global preponderante, reforçando o papel da China de “potência nacional abrangente” (zōnghé guólì, 综合国力) e “participando ativamente na liderança da reforma do sistema de governação global”, entre outros objetivos.

“O Congresso reiterou a missão central do PCC, criar um ambiente propício para tornar a China a potência global preponderante.”

A África é fundamental para estes objetivos. Nas últimas duas décadas, a China mobilizou os países africanos para fornecer apoio quase unânime a várias resoluções chinesas na alteração de normas deagências internacionais. Na Comissão de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), por exemplo, os países africanos endossaram uma resolução apoiada pela China em 2017 que apresentou uma interpretação alternativa dos direitos humanos centrada na não interferência. Da mesma forma, todos os membros africanos do UNHRC, exceto um, apoiaram uma resolução em 2020 que insere o “Pensamento Xi Jinping” na linguagem da ONU pela primeira vez.

Em agosto de 2022, muitos líderes africanos reiteraram o seu compromisso com a posição de que “Taiwan é uma parte inalienável da China.” Alguns governos africanos também apoiaram mecanismos paralelos criados pela China, como o Banco de Desenvolvimento de Infraestruturas da Ásia e a iniciativa da Rota da Seda do Sec. XXI ,promovendo os esforços para criar instituições internacionais alternativas, ao mesmo tempo que as existentes são remodeladas.

Em comparação com outras regiões, os países africanos têm sido mais complacentes com os programas de segurança chineses, como a nova e ainda indefinida Iniciativa de Segurança Global (GSI) de Xi Jinping, uma estrutura para promover acordos de segurança bilaterais e multilaterais inspirados na visão de segurança doméstica e internacional da China. Os governos africanos endossaram o GSI na cúpula do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) de novembro de 2021 e no segundo Fórum de Paz e Segurança China-África em junho de 2022.

É expectável uma maior intensificação do esforço da China, na obtenção de apoio africano, durante o terceiro mandato de Xi. O PCC vê os Estados Unidos como o seu maior oponente, com a capacidade para condicionar/mitigar  aestratégia da China. Assim, Pequim irá centrar a atenção na expansão do “círculo de países amigos” em África para ultrapassar os obstáculos dos Estados Unidos, validar os esforços da China e “preservar o poder de moldar”, uma frase que Xi usou no seu relatório político ao Congresso Nacional.

Institucionalização da Política Africana dentro do Partido Comunista Chinês

A política da China para a África está bastante institucionalizada e gerida por líderes Seniores. Os membros do Comité Permanente lideram tradicionalmente as organizações de relações externas que mais interagem com os governos africanos e partes interessadas. Li Qiang, o segundo líder mais antigo do novo Comité Permanente, irá supervisionar 36 agências de implementação da FOCAC quando assumir o cargo de Premier, em Março de 2023.

Li Qiang. (Foto: China News Service)

O terceiro líder , em termos de antiguidade, Zhao Leji, irá liderar a Assembleia Popular Nacional (APN), que tem relações formais com 35 parlamentos africanos. Wang Huning, o quarto líder – e arquiteto do FOCAC desde a sua criação em 2000 – irá liderar a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, que trabalha com 59 organizações políticas em 39 países africanos. Além destes, o Departamento de Ligação Internacional (DLI) do PCC – um braço do Comité Central e um agente de implementação do FOCAC – mantém relações com 110 partidos políticos em 51 países africanos. Cerca de dois terços do trabalho do DLI está centrado em África. O Departamento de Trabalho da Frente Unida CCP (UFWD) gere mais de 30 “associações de fachada” em 20 países africanos. Sendo a principal instituição da China para operações de influência estrangeira. Sendo a principal instituição da China para operações de influência no exterior, o UFWD trabalha para envolver indivíduos e instituições no exterior no apoio de narrativas, políticas e posturas do PCC.

Este sofisticado quadro institucional serve como plataforma permanente para o envolvimento chinês em África. Através dele, altos funcionários chineses visitaram África 79 vezes entre 2008 e 2018. Entre 2014 e 2020, Xi Jinping realizou 10 visitas a África. Wang Yi, o ministro das Relações Exteriores cessante, visitou 48 países. Yang Jiechi, o diretor cessante da Comissão Central dos Negócios Estrangeiros do PCC (e, nessa qualidade, o principal diplomata da China), visitou 21 países africanos.

Todos os homens do novo Comité Permanente têm sido leais assessores de longa data de Xi. O mesmo se aplica à nova equipa de política externa de Xi. Liu Jianchao, o novo diretor do DLI, Liu Haixing, atualmente diretor executivo da Comissão de Segurança Nacional, Qi Yu, o secretário do partido PCC no Ministério das Relações Exteriores, e Qin Gang, atualmente embaixador da China nos Estados Unidos – foram todos cuidadosamente escolhidos por Xi. O próximo ministro das Relações Exteriores da China será selecionado deste grupo.

“As principais normas de governação chinesas incluem um extenso controlo partidário e estatal sobre a política e a sociedade, subordinação dos direitos humanos à segurança do estado, ênfase nos direitos coletivos sobre os direitos individuais…”

Esta nova equipa de política externa será supervisionada pelo ministro das Relações Exteriores cessante, Wang Yi – um dos líderes chineses mais conhecidos da África – que foi promovido ao Politburo como o novo diretor da Comissão Central de Relações Exteriores do PCC. O novo cargo de Wang supera o de ministro das Relações Exteriores. A sua promoção elevação será vista na África como uma intenção da continuidade das relações com a China.

Em suma, é expectável que o novos de líderes de topo sejam importantes dinamizadores no avanço das relações com África, a qual já assente numa forte base institucional .

Os próximos 5 anos

A política externa sob Xi Jinping é mais ideológica do que a dos seus antecessores. Xi dá maior importância na transmissão de valores e normas de governação chineses como alternativa aos modelos Ocidentais, do que ao aumento do poder em termos militares e económicos. As principais normas de governação chinesas incluem um extenso controlo partidário e estatal da política e da sociedade, subordinação dos direitos humanos à segurança do estado, ênfase nos direitos coletivos sobre os direitos individuais, e uma mistura de práticas baseadas no mercado e controlo centralizado dos principais sectores económicos.

A Cimeira de Pequim de 2018 do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC). (Foto: AFP/Li Tao/Xinhua)

Xi orientou o PCC no sentido de “a divulgar o discurso nacional através do discurso internacional” (huayuquan, 话语权) que corresponda ao nosso poder nacional abrangente e estatuto internacional”. Esta é a mensagem essencial do PCC, que descreve a capacidade de moldar e controlar a narrativa, as mensagens-chave e as ideias políticas e, simultaneamente, garantir apoio aos modelos de governação chineses, como alternativa, e desacreditar ideias opostas. Isso será exposto na política externa chinesa através dos seguintes canais.

Primeiro, o DLI será mais central numa política externa maioritariamente orientada pelo partido. O DLI descreve o seu trabalho como intercâmbio e cooperação de modo a influenciar atitudes e políticas em relação à China e “fazer o outro lado entender, respeitar e aprovar os nossos valores e políticas” Em julho de 2022, o DLI abriu a sua primeira escola política no exterior, a Escola de Liderança Mwalimu Julius Nyerere, na Tanzânia. Recebeu o seu primeiro lote de 120 estudantes dos antigos movimentos de libertação da África Austral — os partidos no poder de Angola, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué. O envolvimento será mais aprofundado e sistematizado à medida que o PCC institucionaliza a sua influência local.

Lançamento da pedra de fundação da Escola de Liderança Mwalimu Julius Nyerere, a primeira escola política do PCC no exterior. (Foto: Tanzania State House)

Em segundo lugar, a ênfase no “poder do discurso” significa que a China fará o máximo uso da sua infraestrutura de propaganda e comunicação. Desde 2019, as redes Xinhua, China Radio International, China Daily e China Global Television Network estabeleceram as suas sedes africanas em Nairóbi, e cada escritório tem funcionários locais e chineses. Durante o Quinto Fórum sobre Cooperação de Comunicação China-África, em agosto de 2022, Xi Jinping pediu um maior “trabalho de equipa” entre meios de comunicação africanos e chineses, o que significa que a China estará focada na promoção de narrativas pró-Chinesa através de conteúdos pagos, acordos de partilha de conteúdos, conteúdos patrocinados e radiodifusão.

O Fórum identificou quatro áreas de reforço da cooperação: co-programação de programas, produção de documentários, programas inovadores, e cooperação com os novos media. Além disso, o CCP está concentrado em completar o “Projeto 10.000 Aldeias” da FOCAC – uma parceria entre o seu departamento de publicidade, as emissoras africanas, e o governo chinês para expandir o acesso à televisão digital a 10.000 aldeias africanas. O projeto está a ser implementado pelo Star Times de Pequim, o segundo maior fornecedor de televisão digital em África.

Finalmente, o PCC irá reiniciar o seu “trabalho interpessoal” após um congelamento três anos devido à COVID. Antes disso, a China formou maior número de estudantes e profissionais africanos do que qualquer outro país industrializado, fornecendo anualmente 50.000 bolsas académicas, 50.000 cotas de formação para funcionários públicos, líderes séniores e em ascensão, e 2.000 para jovens. A maioria dessas oportunidades de formação estão na China. Cerca de 10% são dirigidas ao setor da segurança da África. Embora não sejam conhecidos os números e seja pouco provável o seu conhecimento no curto prazo, devido à campanha “COVID zero” da China, o PCC sinalizou que pretende continuar a ser o destino mais importante de África para a educação e formação.

“Em suma, âmbito da política externa de Xi Jinping, no seu terceiro mandato, todos os indicadores apontam para uma expansão da ideologia chinesa em África.”

Em janeiro de 2023, África vai acolher a primeira visita do ano do ministro das Relações Exteriores chinês ao estrangeiro, mantendo uma tradição pelo 33º ano consecutivo. Alguns meses mais tarde, está previsto viajarem para a China cerca de 60 jornalistas e emissores africanos para a sétima ronda de 10 meses de bolsas de imprensa, onde irão cobrir as primeiras sessões plenárias do próximo Congresso Nacional do Povo e da Conferência Consultiva Política Popular Chinesa, que terá lugar em Março de 2023, altura em que tomará posse a nova liderança.

Em suma, âmbito da política externa de Xi Jinping, no seu terceiro mandato, todos os indicadores apontam para uma expansão da ideologia chinesa em África. A teoria da mudança do PCC pode ser caracterizada na medida em que, quanto maior o número de parceiros adotar, aderir, ou no mínimo compreender o significado das perspetivas, políticas, normas e modelos chineses, mais fácil será para a China confiar no seu apoio contínuo às suas ambições globais


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