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A emergência de um novo grupo militante islâmico no norte de Moçambique cria várias preocupações sobre a influência da ideologia jihadista internacional, marginalização social e económica das comunidades muçulmanas locais e uma forte reação em termos de segurança.
As notícias de um ataque no dia 5 de outubro de 2017 perpetrado por um grupo militante islâmico contra várias esquadras de polícia, funcionários do governo e moradores na cidade de Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, apanhou de surpresa os observadores do jihadismo internacional. A existência do grupo não constituiu uma surpresa para os membros do Conselho Islâmico da província. No entanto, os membros do Conselho referiram que durante vários anos alertaram as autoridades sobre o grupo e a ameaça que a ideologia extremista deste representava. Apesar dos alertas, aparentemente a polícia nacional apenas começou a tomar medidas em maio de 2017, prendendo membros do que a polícia denominou de Al Shabaab de Moçambique nos distritos de Quissanga e Macomia. Em meados de março de 2018, a polícia referiu que tinha prendido 470 indivíduos e julgado 370, dos quais 314 eram Moçambicanos, 52 Tanzanianos, 1 Somali e 3 Ugandeses.
O ataque de outubro de 2017 às esquadras de polícia sugere que os agressores tinham desentendimentos específicos com as forças de segurança locais. Residentes da área referiram que, após o ataque, muitos jovens muçulmanos locais desapareceram da região. Os rumores que explicavam os desaparecimentos variaram desde execuções extrajudiciais efetuadas pelas forças de segurança moçambicanas a sugestões de que alguns jovens fugiram para a vizinha Tanzânia de modo a evitarem ser um possível alvo.
Em finais de dezembro de 2017, as forças governamentais efetuaram um raid de helicóptero e um bombardeamento a partir de navios de guerra sobre a aldeia de Mitumbate no distrito de Mocímboa de Praia, que se pensava ser o reduto do grupo. As forças governamentais terão alegadamente morto 50 pessoas, incluindo mulheres e crianças, e detido 200. As autoridades de saúde locais referiram a um jornal moçambicano que as suas instalações hospitalares estavam sobrelotadas com feridos que procuravam tratamento.
Apesar das garantias dadas pela polícia nacional de Moçambique de que tinha restabelecido a paz em Mocímboa da Praia, ocorreram mais ataques na província que foram atribuídos ao grupo. A violência fez com que algumas empresas multinacionais que investem na região tenham evacuado os seus funcionários.
O grupo, conhecido localmente como Al Shabaab (os jovens) e como Swahili Sunnah (o caminho Swahili), parece estar a atrair novos recrutas. No dia 13 de janeiro, a polícia prendeu 24 homens que viajavam num autocarro de Nacala, na província de Nampula, para a província vizinha de Cabo Delgado, por suspeita de se irem juntar ao grupo.
Liderança associada ao jihadismo internacional
A liderança do grupo parece ser inspirada pelo jihadismo internacional, tendo objetivos e metas semelhantes, tais como o estabelecimento de um estado islâmico de obediência à Xaria, fugindo ao sistema de educação secular do governo. Segundo os os Imãs t,;radicionais dos distritos de Mocímboa da Praia e Montepuez, um dos líderes é um Gambiano chamado Musa. O outro, um Moçambicano, é conhecido por Adremane Nuro. Este último terá alegadamente recebido uma bolsa para treinar na Somália, viajando por estrada através da Tanzânia e do Quénia para chegar à Somália, tal como fizeram vários outros membros do grupo. O líder Gambiano tentou recrutar ativamente no distrito de Montepeuz entre segmentos da população que estavam em conflito com as forças de segurança de uma empresa de mineração internacional e com a polícia nacional, o que sugere que o Gambiano estava a tentar transformar os conflitos locais numa história de vingança.
As interpretações fundamentalistas do Islão defendidas pelo grupo militante reforçam uma ideologia introduzida na região, durante os últimos anos, por jovens que receberam bolsas para estudar no Sudão, na Arábia Saudita e nos Estados do Golfo. Isto está em desacordo com o Islão inspirado no Sufismo que tem vindo a ser praticado na região.
Durante os últimos anos, o grupo operou duas mesquitas em Mocímboa da Praia onde ensinava a sua versão do Islão. As crianças que estudaram nestas e noutras mesquitas fundamentalistas criadas durante os últimos anos, chegaram à idade de integrar as milícias. As autoridades governamentais encerraram as duas mesquitas após a ação policial iniciada em maio de 2017.
Segundo o Xeique Bakar do Conselho Islâmico de Montepuez, a liderança do grupo foi influenciada pelo imã radical Queniano, o Xeique Aboud Rogo Mohammed, baseado em Mombaça, o qual pregou em Swahili e cujos vídeos foram distribuídos por toda a região da África Oriental. O Xeique Rogo tinha sido colocado em listas de sanções dos EUA e das Nações Unidas por supostamente apoiar militantes do Shabaab na Somália. Em 2012, agressores desconhecidos assassinaram o Xeique Rogo em Mombaça.
“Até há pouco tempo esta região foi conhecida pela sua excepcional tolerância e atitude acolhedora para com os visitantes vindos de qualquer ponto do mundo.”
A segunda designação utilizada para o grupo, Swahili Sunna, sugere o objetivo de estabelecer um estado Swahili entre as populações costeiras de língua Swahili. A referência parece remeter para um período anterior quando uma série de cidades-estado Swahili eclodiram na costa da África Oriental, desde o sul da Somália até Moçambique. A principal Ilha de Zanzibar conhecida como Unguja tornou-se um centro de bolseiros islâmicos na região da África Oriental, reforçando o Islão de inspiração sufidta na África Oriental, conhecida pela sua tolerância dos costumes indígenas. Ao longo dos séculos, desde 1498, os comerciantes arabes, portugueses, holandeses, indianos e britânicos disputaram o domínio comercial nesta região.
A família real Omanense assumiu o controlo de Zanzibar em 1698, e cerca de 1840, Omã mudou a sua capital para Zanzibar. O Sultão de Zanzibar, que era membro da família real Omanense, governou uma faixa de território costeiro desde Malindi, no atual Quénia, até ao norte de Moçambique, onde o Swahili era a língua franca. Zanzibar tornou-se um protetorado britânico em 1890 e as comunidades Swahili costeiras ficaram divididos entre a Grã-Bretanha, a Alemanha e Portugal. Até recentemente, esta região era conhecida pela sua excecional tolerância e atitude acolhedora para com os visitantes de todo o mundo que afluíam à costa da África Oriental.
Desafios socio-económicos em Cabo Delgado e a incitação à vingança
Fatores consideráveis de pressão de ordem social e económica na província de Cabo Delgado podem ajudar a explicar a razão pela qual a mensagem jihadista de obter justiça através da criação de um estado islâmico foi bem acolhida entre segmentos de jovens. Os jovens desempregados da região encontraram-se, muitas vezes, na posição de não terem recursos para pagar o dote para garantir uma esposa. Como resultado, acabaram num estado permanente de procura de se tornarem adultos, sem nunca terem a mulher e a família que os tornaria adultos em conformidade com a cultura tradicional. Estes jovens incapazes de poderem ser considerados adultos podem ser facilmente recrutados para as milícias armadas.
A província de Cabo Delgado tem sido foco de consideráveis investimentos em infraestruturas de apoio à extração de petróleo e gás natural, e à exploração das maiores jazidas de safiras rosa e de rubis. No entanto, os moradores locais queixam-se frequentemente de que o emprego na criação de infraestruturas, tais como estradas, foi entregue a estrangeiros, principalmente do Zimbabué, e que a terra está a ser expropriada sem a devida compensação.
Adicionalmente, tem havido especulação de que alegadas violações dos direitos humanos pela Gemfields, sedeada no Reino Unido, incluindo a expropriação de terras aos moradores locais, tem vindo a promover o recurso a armas por aqueles que se juntam ao grupo Islâmico armado a operar em Mocímboa de Praia. Em 2017, a sociedade britânica de advogados, Leigh Day, investigou relatos de violações dos direitos humanos em Cabo Delgado a pedido do Bispo Católico de Pemba em Cabo Delgado. De acordo com outro relatório, o grupo jihadista tem sido bem sucedido no recrutamento de jovens no distrito de Montepuez, onde se desenrolam as operações de mineração de pedras preciosas.
“Os locais queixam-se frequentemente de que o emprego na criação de infraestruturas . tal como estradas, tem sido entregue a estrangeiros … e que a terra está a ser expropriada sem a devida compensação.”
Pensa-se que a concessão da Gemfields em Montepuez contém 40% da existência mundial de rubis. De acordo com um relatório de investigação da 100Reporters de 2016, durante um período de 3 anos, os moradores locais foram forçados a sair das suas terras, foram vítimas de assaltos à mão armada, a violência aumentou e uma série de pequenos mineiros foram espancados, abatidos a tiro e até mesmo enterrados vivos. O relatório identificou tanto as forças de segurança da empresa como a polícia de Moçambique como cúmplices nos abusos que culminaram em 2014; alguns dos seguranças privados foram julgados pelos seus crimes. No entanto, segundo a Gemfields, nem a sua filial, Montepuez Ruby Mining Limitada, nem os seus executivos, funcionários ou empreiteiros se envolveram alguma vez em violência ou intimidação contra a comunidade local. Em fevereiro de 2018, a Leigh Day instaurou uma ação no High Court of England and Wales (Supremo Tribunal de Inglaterra e País de Gales) contra a Gemfields em nome de 29 pessoas. alegando violações dos direitos humanos pelos guardas estatais e de segurança privada que protegem a mina de rubis da Gemfields em Montepuez.
A expropriação de terras noutras áreas da província para utilização por empresas multinacionais criou consternação e tensão social entre a população. Alguns moradores locais que foram desenraizados pelos planos de desenvolvimento, queixaram-se de que o processo legal foi apressado e a compensação menor do que o esperado. Tanto as comunidades agrícolas como piscatórias foram deslocadas durante o processo. As terras expropriadas serão utilizadas em projetos independentes empreendidos pela empresa Anadarko Petroleum Corporation. sedeada no EUA, e pela empresa petrolífera Canadiana, a Wentworth.
Num momento em que os moradores locais se sentiam economicamente marginalizados, o Ministro do Trabalho de Moçambique viajou até à província de Cabo Delgado, em fevereiro de 2018, para preparar o terreno para receber 2000 trabalhadores estrangeiros que iriam participar no projeto da Anadarko. A Anadarko recebeu autorização do governo de Moçambique para construir uma fábrica de gás natural liquefeito (GNL) em terra, em Palma, um dos distritos de Cabo Delgado, onde o grupo islâmico militante tem desenvolvido a sua actividade terrorista. Espera-se que o investimento no maior projeto Offshore da Área 1 da Anadarko, na bacia do Rovuma (do qual a fábrica de GNL em Cabo Delgado faz parte). totalize 12 mil milhões de dólares. O projeto irá gerar uma estimativa de 5000 postos de trabalho na fase de construção e 1000 durante a fase de produção. A Wentworth tem um acordo com o governo de Moçambique para exploração em terra.
Encontrar uma Via para Avançar
Um ciclo crescente de conflitos e vingança entre militantes islâmicos e forças de segurança está a apoderar-se da província de Cabo Delgado. Com relatos da ocorrência de actos de vinganças, é problemático aplacar os conflitos e encontrar uma solução negociável. Os militantes justificam as suas ações a partir de uma posição de superioridade moral e com a retidão de todos os que foram vitimizados e humilhados. Por outro lado, as forças de segurança do estado também se sentem lesadas e vitimizadas. Isto cria um cenário no qual este ciclo só poderá aumentar. Chegar a um consenso não é uma tarefa fácil. No entanto, algumas das medidas que podem ser tomadas para ajudar a acalmar a crise em Cabo Delgado, incluem o seguinte:
- Treinar a polícia nacional, outros intervenientes do estado e forças de segurança do setor privado para que cumpram as suas responsabilidades de forma consistente com as normas internacionais sobre direitos humanos em cenários de conflito. Isto deve ser acompanhado da disponibilização de meios às forças de segurança responsáveis. Estas medidas são importantes não apenas por mérito próprio, mas também porque a não defesa dos direitos humanos tem sido reconhecida como um dos mais fortes impulsionadores do recrutamento de militantes no continente.
- Oferecer um programa de amnistia aos jovens que pegaram em armas, aproveitando as lições aprendidas em áreas como a região do delta do Níger, na Nigéria, onde os conflitos locais contra empresas petrolíferas multinacionais levou a um longo período de violência perpetrada por segmentos da população local.
- Como parte do programa de amnistia, oferecer reabilitação com formação de capacidades e oportunidades de emprego.
- Criar uma comissão do governo de Moçambique com representantes da comunidade religiosa para avaliar as alegações de abusos cometidos pelo pessoal das empresas multinacionais de mineração e oferecer uma compensação ao lesado, caso o abuso seja confirmado.
- Criar uma comissão abrangente de partes interessadas com forte representação das comunidades afetadas, a fim de avaliar o impacto dos investimentos externos de larga escala na economia local e nos meios de subsistência. Esta comissão poderia servir como um fórum para analisar os conflitos e tentar encontrar soluções como meio de evitar a escalada do conflito e fazer com que as comunidades se sintam unidas.
- Com o objetivo de reforçar a estabilidade a longo prazo, o governo e as corporações multinacionais devem fazer investimentos no desenvolvimento da comunidade, tais como assistência e formação de competências em saúde, agricultura e pescas, para garantir que a população local beneficie significativamente de novas oportunidades de emprego.
Greg Pirio e Robert Pittelli são o Presidente e Associado da EC Associates, respetivamente. Yussuf Adam é um Professor Associado de História Contemporânea na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique.
Especialistas do Centro África de estudos estratégicos
- Benjamin Nickels, Professor associado e presidente académico para ameaças transnacionais e combate ao terrorismo
- Wendy Williams, Pesquisadora Adjunta
Recursos adicionais
- Centro África de estudos estratégicos, “More Activity, Fewer Fatalities Linked to African Militant Islamist Groups in 2017,” Infográfico, janeiro 2018.
- Daisy Muibu e Benjamin Nickels, “Foreign Technology or Local Expertise? Al-Shabaab’s IED Capability,” CTC Sentinel, 27 novembro 2017.
- Abdisaid M. Ali, “Islamist Extremism in East Africa,” Centro África de estudos estratégicos, Resumo de Segurança em África 32, agosto 2016.
- Clement Mweyang Aapenguo, “Misinterpreting Ethnic Conflicts,” Centro África de estudos estratégicos, Resumo de Segurança em África 4, abril 2010.