O primeiro ano de João Lourenço como Chefe de Estado de Angola foi marcado por mudanças que ocorreram mais rapidamente do que muitos esperavam. Lourenço, antigo Ministro da Defesa que se tornou o Presidente de Angola em setembro de 2017, priorizou duas políticas durante o seu primeiro ano de presidência: estabilizar a economia e assumir o controlo total de seu partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). E tem progredido em ambas as frentes.
O Congresso do MPLA e a consolidação do poder
Durante o primeiro ano de Lourenço como Presidente, dois polos de poder se destacaram: a Presidência do Estado, chefiada por João Lourenço, popularmente conhecido em Angola como “JLo”, e o antigo Chefe de Estado e ex-Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos. Angola não havia registado situação parecida desde 1979, uma vez que, há muito, a separação entre o partido e o estado tem sido indistinta. A relação entre Lourenço e dos Santos também se degradou desde o final de 2017 devido às reformas cada vez mais enérgicas implementadas por JLo que afetaram dos Santos, sua família e seus aliados. Durante algum tempo, a comunicação entre os dois foi delegada a intermediários.
Não surpreendentemente, após 38 anos na liderança de Angola, dos Santos não tinha planos de renunciar a todo o seu poder tão rapidamente. Deu-se, então, um “braço de ferro” com respeito à data para a realização do Congresso Extraordinário do MPLA, sendo que, em março, dos Santos (incentivado por sua família e aliados) defendeu que o congresso deveria ser realizado em dezembro ou abril de 2019. Essa iniciativa falhou e JLo continuou a aumentar sua base de apoio, nomeando um “dissidente” de dos Santos, o General Fernando Garcia Miala, como chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE). A nomeação de Miala assegurou o apoio da comunidade de inteligência e enfraqueceu ainda mais a posição de dos Santos.
JLo foi eleito Presidente do MPLA no Sexto Congresso Extraordinário do Partido, em 8 de setembro de 2018, em Luanda. Sem praticamente qualquer oposição, ele garantiu 98,6 por cento dos votos e substituiu dos Santos, pondo fim a 39 anos de presidência do partido. Após garantir o controlo da presidência do partido, JLo imediatamente reformou seu Bureau Político (BP): cerca de metade dos membros existentes foram substituídos por pessoas mais jovens, dos quais muitos não tinham ligação a dos Santos. A lista dos excluídos do BP parecia um “Quem é Quem” da era dos Santos, incluindo Francisco Higino Lopes Carneiro, ex-Ministro das Obras Públicas; Manuel Vicente, antigo Diretor Executivo da Sonangol e ex-Vice-presidente de Angola; Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, um veterano da luta pela libertação e Secretário-geral do MPLA durante um longo período; e Kundi Paihama, antigo Ministro da Defesa e acionista majoritário do Banco Angola de Negócios e Comércio. Alguns aliados de dos Santos também foram mantidos, tais como o advogado Carlos Feijó e Rui Luís Falcão Pinto de Andrade, ex-porta-voz do MPLA.
Nos 12 meses desde que JLo se tornou Chefe de Estado, várias das principais autoridades, incluindo integrantes da família de dos Santos — tais como seu filho José Filomeno (“Zenu”), presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola, e sua filha mais velha, Isabel, presidente da companhia petrolífera estatal Sonangol — foram acusados ou investigados por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. Isso foi bem visto pela classe média de Angola e enfraqueceu a resistência ao domínio cada vez maior de JLo no MPLA. Um ano depois, JLo consolidou firmemente a sua autoridade e extinguiu os centros duplos de poder dentro do partido. JLo agora controla o partido, o executivo, as forças armadas e a inteligência. Também é responsável pela nomeação de altos membros do sistema judicial e da liderança dos organismos paraestatais. Em longo prazo, tal concentração de poder na presidência poderia representar um risco para Angola, especialmente se as reformas de JLo não forem eficazes. Atualmente, Angola carece de instituições confiáveis para implementar um sistema de controlos e equilíbrios para o seu poder executivo; ademais, o MPLA passou a ser controlado mais rigidamente pelo Presidente após o congresso do partido.
Intensificação das reformas
Visando o futuro, uma questão chave é: JLo tornar-se-á mais igualitário nos seus esforços de reforma? No ano passado, observou-se uma ação desproporcional contra a família e aliados de dos Santos. Isso foi inevitável, uma vez que, durante os últimos anos da administração de dos Santos, os aliados, confidentes de dos Santos e sua família prosperaram substancialmente. Qualquer reforma séria teria que enfrentar essa realidade.
Reformas, no entanto, não podem incorrer apenas na consolidação do poder para JLo. Em 2017, o Índice de Perceção de Corrupção da Transparency International classificou Angola na 167ª posição de um total de 180 países; também em 2017, no estudo “Doing Business” do Banco Mundial, entre 190 países, Angola se classificou na 182ª posição. Reformas eram inevitáveis e, segundo a determinação da mais recente avaliação realizada pela Deloitte, o setor bancário de Angola precisa delas.
Cerca de 30 mil milhões de dólares de dinheiro angolano é mantido fora do país, com contas pessoais sendo responsáveis por quase metade desse valor.
Uma legislação aprovada em maio de 2018 ordenou o retorno de capital acima de US$ 100.000 que fora exportado ilicitamente. De acordo com o Banco Nacional de Angola (BNA), cerca de 30 mil milhões de dólares de dinheiro angolano é mantido fora do país, com contas pessoais sendo responsáveis por quase metade desse valor. Será que a lei será devidamente aplicada e quanto dinheiro retornará? Os partidos da oposição e os ativistas anticorrupção acolheram a iniciativa, mas afirmam que as pessoas próximas a JLo também têm fortunas não contabilizadas. O fato de que alguns desses indivíduos não foram renomeados para o BP do MPLA em setembro é promissor. Espera-se que seja um sinal de que uma nova fase da reforma esteja a começar.
O ónus da dívida
Atualmente, a economia tem um crescimento frágil, e uma dívida e inflação elevadas. A expectativa do FMI é que haja um crescimento de 2,25 por cento em 2018 (comparativamente a 1 por cento em 2017), com a economia apresentando uma ligeira recuperação, ajudada pelas reformas e por um mercado flutuante de dívida global. Ao mesmo tempo, espera-se que, em 2018, a inflação atinja 24,75 por cento em relação ao período homólogo e que o desemprego formal seja de pelo menos 25 por cento.
Para Angola, o ano de 2018 é também um ano de vencimento de dívidas. Ao final de 2018, Angola prevê que sua dívida total, excluindo a da empresa petrolífera estatal Sonangol, atinja US$ 77,3 mil milhões ou 71 por cento de seu PIB. Em 2017, o rácio de “serviço da dívida” para “receitas” atingiu 89 por cento. Para ajudar, em 2018, a China abriu uma nova linha de crédito de US$ 11 mil milhões para Angola (a atual dívida de Angola à China é de US$ 23 mil milhões, sendo que a dívida a instituições Chinesas representa 56 por cento da dívida externa de Angola). Além da China, Angola tem compromissos de empréstimos garantidos pelo petróleo com o Brasil e com Israel, e atualmente carece de espaço para manobras, forçando-a a voltar-se para empréstimos comerciais e retomar negociações com o FMI.
Em maio, Angola conseguiu vender obrigações a 10 anos no valor de US$ 1,7 mil milhões e obrigações a 30 anos no valor de US$ 1,25 mil milhões. A subscrição destas Euro-obrigações excedeu três vezes o valor lançado no mercado, sinalizando a confiança dos investidores em Angola. A retomada de negociações entre Angola e o FMI com respeito a um programa de apoio a serviços financeiros (Programa de Financiamento Ampliado) ajudou a aumentar a confiança dos investidores. O envolvimento do FMI é um desenvolvimento positivo que não só melhorará a reputação internacional de Angola, mas também incentivará um maior controlo de despesas. Apesar disso, o reescalonamento da dívida em longo prazo também poderá restringir as políticas fiscal e monetária, e resultar num impacto social em curto prazo (desemprego e menor poder de compra).
A moeda angolana, o kwanza, também desvalorizou mais de 40 por cento desde que, em janeiro, a indexação ao dólar foi abandonada em favor de um regime de câmbio flutuante. Isso aliviou a pressão sobre as reservas internacionais, que caíram de US$ 28 mil milhões, em 2014, para US$ 12,8 mil milhões, em fevereiro de 2018, o mais baixo valor da última década. A falta de moeda estrangeira e as preocupações com a corrupção obrigaram empresas estrangeiras a reduzir suas operações. Isso tem tornado a indústria do petróleo e do gás numa prioridade até que o governo consiga descobrir como diversificar sua economia de maneira sustentável, afastando-a da dependência excessiva nos hidrocarbonetos.
Proteger a “galinha dos ovos de ouro” — Petróleo
JLo também convenceu as empresas petrolíferas internacionais (EPIs) a reafirmarem seus compromissos com Angola, descrevendo a indústria petrolífera como a “galinha dos ovos de ouro” de Angola. Não obstante, conforme o Ministério das Finanças, porque os campos de petróleo off-shore de Angola atingem picos de produção rapidamente e declinam drasticamente, a expectativa é que essa produção diminua em 36 por cento até 2023. Atualmente, o petróleo representa 95 por cento das receitas em divisas estrangeiras e mais de 40 por cento do produto interno bruto. Em meados de 2017, existiam apenas 8 plataformas ativas (comparativamente a 25 em 2014) e a atividade sísmica diminuiu em 80 por cento. Durante os 12 meses anteriores, a produção de petróleo bruto tinha diminuído para uma média de 1.632.000 barris por dia. A perspetiva era sombria, e várias EPIs estavam considerando uma retirada.
Durante o último ano, a administração de JLo tem trabalhado com as EPIs para evitar esse declínio acentuado previsto, eliminando obstáculos para o desenvolvimento de novos campos, especialmente nos blocos 14, 15, 16, 17, 31 e 32, e oferecendo novas oportunidades de licenciamento. A ambição dessa política é manter a produção constante em aproximadamente 1,7 milhões de barris por dia e atrair novas explorações, e o desenvolvimento de novos campos e de campos marginais.
Em outubro de 2017, logo após assumir o cargo, JLo reuniu-se com o alto escalão das empresas Chevron, Total, BP, Eni, Exxon e Statoil (agora, Equinor) a fim de debater o futuro da indústria. Dois resultados imediatos foram a criação, pela presidência, de um grupo de trabalho e, seis semanas mais tarde, a demissão de Isabel dos Santos, como presidente da Sonangol, e da maioria de seu conselho administrativo. Seguiram-se, então, reformas tais como a elaboração de legislação determinando os direitos de empresas para explorar e produzir gás natural em Angola e garantindo que o Ministério das Finanças seja responsável pelas contas da indústria de petróleo e de gás. Foram também introduzidos o fim do monopólio da importação de combustíveis e incentivos ao investimento em campos marginais de petróleo.
Em longo prazo, até o final de 2020, foi proposta a criação de uma nova agência, a Agência Nacional de Petróleos e Gás (ANGP), para assumir a função de concessionária anteriormente realizada pela Sonangol, enquanto esta concentrar-se-á apenas na exploração, produção, refinação e distribuição de hidrocarbonetos. A Sonangol venderá as subsidiárias não essenciais assim como a sua participação em vários blocos do petróleo. Como resposta, algumas das principais EPIs reafirmaram seus compromissos com Angola.
A administração de JLo também deu início a reformas no setor de mineração. Em setembro, uma das mais importantes empresas de mineração, a Anglo American, confirmou que procurava obter uma licença de prospeção. Angola também planeia privatizar cerca de 74 empresas estatais ao longo dos próximos anos e alguns dos principais projetos de infraestrutura foram reavaliados. Um estudo recente realizado pela Chatham House sobre as infraestruturas não petrolíferas de Angola mostrou ocorrências significativas de corrupção e má supervisão dos projetos até 2016.
Reforma do sector da segurança
De acordo com os registos, as Forças Armadas Angolanas (FAA) é uma das maiores de África, com um quadro de pessoal de até 100.000 pessoas. Desde o fim da guerra civil em 2002, os militares têm desempenhado um papel fundamental na facilitação da reconciliação da elite pós-conflito e na criação de empregos. Em longo prazo, a manutenção de uma estrutura militar tão grande é insustentável, especialmente considerando-se que, no último orçamento, 21 por cento dos recursos foi alocado à defesa, 11,3 por cento à educação e 7,4 por cento à saúde.
Desde o fim da guerra civil em 2002, os militares têm desempenhado um papel fundamental na facilitação da reconciliação da elite pós-conflito e na criação de empregos.
A reforma das forças armadas já era muito esperada e, em abril de 2018, o Chefe de Gabinete das FAA, o General Geraldo Sachipengo Nunda foi demitido sob acusações de corrupção, juntamente com o chefe da inteligência externa, André de Oliveira Sango, leal a dos Santos desde à longa data. Nunda (antigo guerrilheiro da UNITA) havia sido uma nomeação tecnocrata, mas não contava com o apoio político necessário para continuar e foi substituído pelo General António Egídio de Sousa Santos “Disciplina” (ex-chefe de formação das FAA), cuja nomeação reforça o controlo de JLo sobre os militares, em preparação para uma reforma estrutural.
Desde janeiro de 2018, JLo nomeou 62 novos generais e almirantes para os serviços de defesa e segurança, e aposentou 58. Em julho de 2018, um pacote legislativo com três leis de reformas das forças armadas também foi aprovado pela Assembleia Nacional; leis essas que abrem o caminho para uma redução significativa das FAA. O plano é reduzir a dimensão das forças armadas pela metade, e profissionalizar e despolitizar muitos de seus cargos.
Renovação do MPLA
Com um controlo firme do partido e uma economia rumo à estabilização, a prioridade de JLo será estimular o crescimento económico, criar empregos e aprimorar a prestação de serviços do governo. Todas as reformas visam garantir a continuidade do domínio do MPLA, gerando apoio ao partido em antecipação às primeiras eleições municipais de Angola, a serem realizadas em 2020, nas quais o partido teme que possa perder o controlo de algumas partes do país. As reformas também representam preparações em longo prazo para, nas próximas eleições nacionais em 2022, aumentar a maioria já obtida pelo MPLA (o partido garantiu pouco mais de 61 por cento dos votos nas eleições legislativas de agosto de 2017) e garantir um segundo mandato para João Lourenço.
Um ano depois de assumir a presidência de Angola, a pressão para demonstrar progressos mensuráveis está se intensificando. Ajudado pelo aumento dos preços do petróleo e um firme controlo do poder, JLo tem agora alguns anos para provar que é realmente um reformador moderno que pode ajudar todos os angolanos e não apenas um novo rosto a proteger os interesses da elite do MPLA.
O Dr. Alex Vines é Diretor de Pesquisas, Estudos de Área e Direito Internacional; Chefe do Programa África, Chatham House.
Recursos adicionais
- Søren Kirk Jensen, “Angola’s Infrastructure Ambitions through Booms and Busts: Policy, Governance and Reform”, Chatham House Research Paper, September 14, 2018.
- Africa Center for Strategic Studies, “Angola: Real Change or Just Old Wine in New Wineskins?” Spotlight, August 23, 2017.
- Paul Nantulya, “The Troubled Democratic Transitions of African Liberation Movements”, Africa Center for Strategic Studies, Spotlight, December 14, 2017.
- J.R. Mailey, “A anatomia da maldição dos recursos: Investimento predatório nas indústrias extrativas de África”, Centro de Estudos Estratégicos de África, Relatório especial No. 3, maio 2015.