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Muito ainda se desconhece acerca da trajetória da transmissão da COVID-19 em África. Muitos temem que o vírus poderá ser particularmente devastador para o continente, devido aos seus elevados níveis de pobreza, aos sistemas de saúde debilitados e às áreas urbanas superpovoadas,. Outros esperam que África seja capaz de evitar o pior da pandemia, devido ao clima mais quente, a uma população mais jovem e à experiência no combate a doenças infeciosas. Esta análise oferece uma avaliação relativa aos fatores de risco associados ao novo coronavírus como forma de induzir maior clareza sobre os variados e, por vezes, sobrepostos níveis de vulnerabilidade enfrentados por cada país africano.
Mapeamento das vulnerabilidades por Fator de risco
A compreensão dos riscos relativos que cada país enfrenta à medida em que a pandemia evolui, pode facilitar a orientação dos esforços de resposta nas fases introdutória e subsequentes. A seguir, apresentamos uma série de mapas que representam os níveis de vulnerabilidade relativos em todo o continente (numa escala de 1 a 5, sendo 5 o maior nível de vulnerabilidade).
Exposição internacional
- Como em todas as regiões do mundo, os primeiros casos do coronavírus em África resultaram da exposição a contactos internacionais – viagens, comércio, turismo ou negócios.
- Os países africanos com maior nível de contacto internacional (tais como Egito, Marrocos, Nigéria e África do Sul) foram os mais atingidos na fase inicial desta crise.
- Embora a exposição internacional tenha sido crítica na fase inicial da pandemia, agora que o vírus está presente no continente, as vulnerabilidades de transmissão intracontinental e intranacional terão uma importância cada vez maior.
Sistema de saúde pública
- Os sistemas de saúde pública de África enfrentam regularmente o desafio de conter a propagação de doenças infeciosas em nível comunitário. A capacidade de um sistema de saúde pública para realizar testes da COVID-19, especialmente em áreas densamente povoadas, é essencial para identificar, isolar e tratar os infetados e, dessa forma, reduzir o impacto na sociedade.
- A proteção dos profissionais de saúde é uma prioridade especialmente crítica para os países com sistemas de saúde relativamente mais fracos, uma vez que esses profissionais são essenciais para manter a capacidade dos serviços de saúde.
- A robustez das instituições de saúde pública também será vital para a partilha de informações e de melhores práticas entre os profissionais da saúde pública, de modo a facilitar a adaptação e a comunicação com o público.
- Em contrapartida, é provável que os sistemas de saúde pública relativamente menos robustos enfrentem a propagação do vírus sem testar ou rastrear significativamente a doença, levando a uma transmissão acelerada e à subnotificação.
Densidade das áreas urbanas
- A densidade urbana mede o número médio de pessoas por quilómetro quadrado que vivem nas áreas edificadas de um país. É um indicador eficaz da concentração geral da população de um país, distinto da população total.
- As áreas urbanas de África são muitas vezes densamente povoadas, criando condições para que os vírus se possam propagar rapidamente em zonas de habitação clandestina mais povoadas, sem serem detetados. A densidade urbana é característica, até mesmo, em países relativamente menos povoados do Sahel, onde a concentração de assentamentos humanos nas capitais cria elevados níveis de vulnerabilidade. Um padrão semelhante é observado no Sudão do Sul, onde as áreas habitadas têm em média 8.730 pessoas por quilómetro quadrado.
- A configuração e arquitetura urbanas nesses locais são comparáveis a cidades de grande concentração urbana de Espanha e Itália, os locais na Europa atingidos de forma mais significativa pelo vírus até ao momento.
- Em grande parte da África, as áreas construídas têm densidades populacionais mais elevadas do que as da Europa e dos Estados Unidos. Na Índia verificou-se que as taxas de transmissão da gripe (influenza) tendem a aumentar em densidades populacionais acima de 282 pessoas por quilómetro quadrado. A densidade de muitas áreas construídas em África é cinco vezes maior do que esse limiar.
População total em áreas urbanas
- O número total de pessoas que vivem nas áreas urbanas de um país é um indicador diferente da densidade populacional das áreas urbanas. Este, portanto, engloba todas as pessoas com maior risco de propagação do vírus, quer habitem em centros urbanos menos ou mais densamente povoados.
- A COVID-19 parece se proliferar em cidades onde pode ser transmitida rapidamente em curtas distâncias, através do movimento e contacto frequente entre as pessoas. Os países com populações urbanas mais elevadas enfrentam o desafio logístico e de comunicação para informar, monitorar e, eventualmente, isolar um conjunto maior de pessoas em risco.
- Todos os países africanos com as maiores taxas de população urbana possuem igualmente megacidades: Lagos, Cairo, Adis Abeba, Kinshasa e Joanesburgo. Todas essas cidades, com exceção de Adis Abeba, têm densidades populacionais superiores às de Nova Iorque (56.000 pessoas por quilómetro quadrado). A densidade populacional máxima no Cairo (175.000/km2) supera facilmente a densidade de Wuhan, China (106.300/km2), local onde o novo coronavírus teve origem.
- As ordens para permanecer em casa serão particularmente difíceis de se cumprirem nas cidades africanas, onde muitos residentes carecem de abrigo, saneamento básico e dos meios financeiros adequados para armazenar mantimentos e deixar de trabalhar.
Faixa etária da população
- Cerca de 80 % das mortes por COVID-19 ocorrem entre pessoas com mais de 60 anos. Sendo que 70 % da população de África tem menos de 30 anos, a juventude dos africanos pode servir de amortecedor a custos humanos mais devastadores da doença no continente.
- No entanto, os benefícios de uma população mais jovem terão de ser equilibrados considerando outros fatores de saúde subjacentes que muitas populações de África enfrentam, tais como a malária, a desnutrição, a tuberculose e o VIH/SIDA. Atualmente, a taxa de mortalidade por casos registados em todo o continente é de 4 %, embora essa varie amplamente por país, provavelmente como resultado dos limitados recursos para realizar testes e reportar os resultados. Na África do Sul, o país africano com o maior número de casos registados, mas também entre aqueles com melhor capacidade para realizar testes, a taxa de mortalidade é inferior a 1 %.
- Muitos dos países de África com populações relativamente mais velhas, tais como Seychelles, Cabo Verde, Ilhas Maurícias e Tunísia, têm vulnerabilidades mais baixas associadas a outros fatores de risco. Isso aumenta a perspetiva de que as taxas de mortalidade podem ser mais elevadas em alguns países menos vulneráveis e ressalta a importância de cada país responder conforme o seu perfil de risco único.
Transparência governamental
- A cooperação dos cidadãos com respeito às orientações do governo para atenuar os efeitos da pandemia está intimamente ligada à confiança no governo. A reputação de transparência de um governo gera confiança e um sentimento de solidariedade, e reforça a crença entre os cidadãos de que as restrições estão a ser aplicadas de forma justa.
- Se as entidades públicas ou internacionais não tiverem confiança nos dados das taxas de transmissão, estarão menos propensas a cooperar, contribuindo assim para narrativas alternativas sobre a gravidade da doença.
Liberdade de imprensa
- Em tempos de emergência, uma imprensa livre serve de alerta avançado para a sociedade, moldando o seu foco na gravidade de um problema e estimulando uma resposta urgente do governo.
- Especialmente em tempos de crise, os meios de comunicação independentes desempenham o papel indispensável de informar o público e de validar as declarações das autoridades governamentais.
- Os meios de comunicação também ajudam a fazer com que os governos se responsabilizem pela comunicação transparente de dados importantes sobre uma crise e sejam forçados a transmitir uma narrativa que espelhe a realidade.
- A prisão de jornalistas pelo governo sob o pretexto dos poderes de emergência é contraproducente, pois prejudica a credibilidade do governo.
Magnitude dos conflitos
- Os Conflitos armados desestabilizam os sistemas de saúde pública nas áreas por eles afetadas e limitam o acesso a necessidades básicas, tais como alimentos, água e medicamentos.
- O grau de intensidade e distribuição geográfica dos conflitos definem o nível de desestabilização provocado numa sociedade.
- As populações afetadas por conflitos também costumam ter à partida um nível mais elevado de vulnerabilidade, com menos recursos de suporte do que outras populações, tornando ainda mais grave o impacto da exposição a uma doença infeciosa.
Populações deslocadas
- Refugiados e populações internamente deslocadas podem ser reunidos em grandes centros com deficiente acesso a água, sabão ou saneamento básico. Além disso, os serviços de saúde estão muitas vezes sobrecarregados e inacessíveis.
- Uma vez iniciada a infeção, a sua propagação é facilitada pelos espaços densamente povoados de tais aglomerados.
- Oitenta e cinco por cento (85 %) dos 25 milhões forçosamente deslocados em África concentram-se em 8 países: a República Democrática do Congo (RDC), Sudão do Sul, Somália, Etiópia, Sudão, Nigéria, República Centro-Africana (RCA) e Camarões.
Tabela composta dos fatores de risco
Uma análise da lista composta pelos nove fatores de risco considerados revela que um grupo de países, o Sudão do Sul, a RDC, o Sudão e a Nigéria, estão próximos ou fazem parte da categoria de risco mais elevada em quase todos os fatores de risco. Este portfólio de múltiplas camadas de risco realça a vulnerabilidade que esses países enfrentam e a importância de tentar identificar e limitar a propagação do vírus nas fases iniciais, antes de ele se instalar nas áreas de alta densidade urbanas ou em centros de abrigo de pessoas deslocadas.
Curiosamente, com exceção da Nigéria, esses países não se encontram entre os que têm níveis particularmente mais elevados de exposição internacional, o que lhes proporciona uma curta janela de tempo para reforçarem as medidas de contenção. A chave desses esforços será o fortalecimento e transparência da comunicação pública no que diz respeito à COVID-19, boas orientações sobre a saúde pública, e informações precisas sobre o que o governo está a fazer e o que os indivíduos devem fazer se apresentarem sintomas. Para alguns desses países, dadas as restrições no espaço dos media, tais medidas exigirão um aperfeiçoamento significativo dos níveis de transparência e de liberdade para os meios de comunicação independentes.
Um outro grupo de países, Camarões, Etiópia, Chade, Somália, Uganda, Egito e RCA, encontra-se logo abaixo da categoria mais alta de riscos combinados. Esses países também apresentam diversos níveis de vulnerabilidades entre os nove fatores de risco considerados e deveriam, na medida do possível, focar-se na mitigação das suas áreas de risco, tirando partido dos pontos fortes. Mais uma vez, à exceção do Egito, nenhum deles está na primeira ordem dos países africanos que enfrentam os mais elevados níveis de casos registados na primeira fase de transmissão devido à exposição internacional.
Felizmente, existem vários países no último terço da tabela que, relativamente, contam com menos vulnerabilidades de alto risco e com uma série de fatores positivos a seu favor. Muitos beneficiam por ter populações urbanas menores e menos densas. Estes países terão, certamente de continuar vigilantes, tal como já o demonstraram os impactos na China, Europa e Estados Unidos. Esses países africanos partem de uma posição mais forte do que os outros, porém, só conseguirão minimizar os piores efeitos desta pandemia se demonstrarem uma certa agilidade na identificação e isolamento dos casos iniciais.
Fatores de risco ligados à fase inicial dos casos registados
Embora cada fator de risco seja relevante, em função do contexto, o padrão dos casos registados no início do surto de COVID-19 em África encontra-se altamente correlacionado com apenas alguns dos fatores: a exposição internacional, a dimensão da população urbana e a resiliência dos sistemas de saúde. Este último reflete, sobretudo, a capacidade de realizar testes em tempo útil. Isso realça uma realidade pertinente em África (e noutros locais): que os casos registados refletem apenas a parte do problema que é visível. Na verdade, os casos de coronavírus podem estar espalhados por outros lugares, embora não estejam identificados nem registados.
A forte correlação mostra a influência da exposição internacional na ocorrência de casos iniciais. É por isso que o Egito, a África do Sul, Marrocos e a Nigéria registaram alguns dos primeiros episódios do vírus. As suas grandes populações urbanas, e a sua relativa capacidade de testar e registar casos, levaram posteriormente a um crescimento acentuado dos casos detetados nesses países. Em particular, o Quénia, a Nigéria, a Etiópia, o Uganda, a Tanzânia e o Zimbabué são países que apresentam pontuações relativamente elevadas nos fatores de risco para um aumento rápido da transmissão inicial, embora não tenham visto elevados níveis de casos registados. (Ver a tabela abaixo, dos países com maior risco referente aos fatores de exposição internacional, resiliência dos sistemas de saúde pública e população urbana total). Isso pode refletir esforços relativamente eficazes para conter a propagação do vírus ou o registo tardio de casos. Por isso, será importante observar esses países.
Avaliação dos fatores de risco para a próxima fase
Enquanto a exposição internacional, a dimensão da população urbana e a capacidade de testar podem inicialmente influenciar o número de casos registados, as fases subsequentes também poderão ser influenciadas por outras vulnerabilidades, tais como sistemas de saúde mais fracos, densidade da população urbana, conflitos, dimensão das populações deslocadas, confiança no governo e abertura dos canais de comunicação.
Por conseguinte, será importante continuar a observar os países com elevadas vulnerabilidades combinadas e não apenas aqueles com um número relativamente maior de casos atualmente registados. Ao considerar-se este cálculo integrado, países como Sudão do Sul, RDC, Sudão, Camarões, RCA, Somália e Chade parecem ser particularmente vulneráveis aos impactos da COVID-19, à medida que o vírus avança entre essas populações. Da mesma forma, e apesar de não terem as maiores populações urbanas do continente, os países das regiões do Sahel e dos Grandes Lagos parecem estar sob risco elevado de surtos graves. A atenção nesses países deveria estar relativamente mais focada nas cidades mais densamente povoadas, no apoio às instituições de saúde pública e no fortalecimento da transparência na partilha de informações públicas. No entanto, cada país enfrenta uma combinação única de vulnerabilidades o que exigirá uma resposta específica.
Recursos adicionais
- Shannon Smith, “Managing Health and Economic Priorities as the COVID-19 Pandemic Spreads through Africa,” Spotlight, Centro África de Estudos Estratégicos, 30 de março de 2020.
- Centro África de Estudos Estratégicos, “Five Myths about Coronavirus in Africa,” Spotlight, 27 de março de 2020.
- Wendy Williams, “COVID-19 and Africa’s Displacement Crisis,” Spotlight, Centro África de Estudos Estratégicos, 25 de março de 2020.
- Centro África de Estudos Estratégicos, “Coronavirus Spreads through Africa,” Infográfico, 19 de março de 2020 (atualizado diariamente).
- Shannon Smith, “What the Coronavirus Means for Africa,” Spotlight, Centro África de Estudos Estratégicos, 4 de fevereiro de 2020.
- Casos Globais de Coronavírus COVID-19 pelo Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade Johns Hopkins
- Informações sobre Coronavírus da Organização Mundial da Saúde
- Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças
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