O Segundo-Tenente Said Lavani, Oficial de Ligação Internacional das Comores no Centro Regional de Fusão de Informação Marítima (RMIFC) em Madagáscar, e recém-integrado na comunidade de antigos alunos do CEEA, está na linha frente dos esforços para reforçar a cooperação em matéria de segurança marítima no Oceano Índico Ocidental. Nesta entrevista, destaca o papel essencial da colaboração regional, da partilha de informações e de estratégias de segurança coordenadas para enfrentar ameaças como a pirataria e o contrabando. Reflete também sobre a sua participação no Centro de Estudos Estratégicos de África, salientando a importância de evitar a duplicação de esforços e de promover parcerias mais sólidas entre os Estados costeiros, com vista à construção de um ambiente marítimo mais seguro e resiliente.
Sr. Ilias El Ghormli (IE): O Centro de Estudos Estratégicos de África congratula-se com a sua recente integração na comunidade de antigos alunos, na sequência da sua participação no Seminário sobre Segurança Marítima do Oceano Índico Ocidental, realizado em Antananrivo, Madagáscar, de 24 a 28 de fevereiro de 2025. Pode partilhar algumas das iniciativas ou projetos em curso nos quais está envolvido e que os antigos alunos deveriam conhecer? Quais são os seus principais objetivos e de que forma contribuem para a sua missão mais ampla?
Segundo-Tenente Said Lavani (SL): Um dos projetos mais relevantes em que estou atualmente envolvido centra-se na segurança marítima, um tema de importância estratégica tanto a nível nacional para as Comores como no plano regional.
O programa conta com dois centros regionais, criados com mandatos específicos para reforçar a coordenação da segurança marítima. O primeiro é o Centro de Fusão de Informação Regional (RCOI), sediado em Madagáscar, que atua como núcleo de recolha e partilha de informação marítima. O segundo é o Centro Regional de Coordenação Operacional no Mar (RCOC), localizado nas Seicheles, que tem como função principal coordenar, em tempo real, as respostas a incidented de segurança marítima.
O que torna esta iniciativa particularmente eficaz é a presença direta de oficiais de ligação destacados pelos Estados-Membros. Cada país nomeia representantes que operam fisicamente nos centros, assegurando uma comunicação fluida entre as autoridades marítimas nacionais e o quadro regional de segurança. No meu caso, trabalho com as autoridades nacionais das Comores em todas as matérias relacionadas com a segurança marítima na nossa zona marítima de responsabilidade, ao mesmo tempo que facilito a coordenação nas regiões da África Oriental, Austral e do Oceano Índico.
Este esforço é fruto de uma cooperação multilateral que envolve Madagáscar, Maurícias, França (em representação da Reunião), Djibuti e Quénia. O objetivo final é criar um ambiente estruturado e colaborativo, onde os Estados participantes partilham inteligência, coordenam respostas de segurança e fortalecem a governança marítima.
Outra iniciativa de grande importância é o Código de Conduta de Djibuti, um instrumento de cooperação para o reforço de capacidades e partilha de informações entre os Estados-Membros, com vista ao combate à pirataria e outros crimes marítimos. Cada país designa um ponto focal nacional responsável por assegurar a comunicação entre as autoridades internas e o secretariado regional.
Por exemplo, sempre que surge uma questão relacionada com a Guarda Costeira, o ponto focal garante a transmissão célere de informações, facilita o acesso a programas de formação e promove a participação em exercícios regionais de segurança. De forma análoga, em casos de poluição marítima ou pesca ilegal, o ponto focal encaminha a informação para as autoridades ambientais ou das pescas. Na qualidade de assistente do ponto focal nacional, coordeno estes processos e asseguro que as Comores permanecem ativamente envolvidas na cooperação regional.
Reconhecendo a convergência de objetivos entre o quadro RCOI-RCOC e o Código de Conduta de Djibuti, os Estados-Membros decidiram avançar com a sua integração através de um Memorando de Entendimento (MoU), assinado durante a mais recente reunião ministerial sobre segurança marítima, realizada nas Maurícias. Neste encontro, os países acordaram o desenvolvimento de uma estratégia regional unificada de segurança marítima.
Esta convergência estratégica é essencial, dado que a maioria dos Estados-Membros está envolvida em ambos os quadros, com exceção da Tanzânia, Moçambique, África do Sul e Somália, que demonstraram interesse em aderir. Em vez de ações isoladas, estamos agora a promover uma abordagem colaborativa que evita duplicações e potencia a eficácia das políticas regionais.
IE: Quais foram as suas principais conclusões do Seminário sobre Segurança Marítima no Oceano Índico Ocidental e como é que este influenciou a sua compreensão dos desafios da segurança marítima na região?
SL: O seminário foi incrivelmente enriquecedor e proporcionou-me conhecimentos valiosos sobre o panorama mais vasto da segurança marítima. Um dos aspectos mais importantes foi a oportunidade de alargar a minha rede profissional e estabelecer relações com colegas não só da África Oriental, mas também da África Ocidental e Central.
As ameaças marítimas não estão confinadas a uma região específica — as redes criminosas operam em vastos espaços marítimos. Um navio envolvido hoje em atividades ilegais no Oceano Índico Ocidental pode reaparecer amanhã no Golfo da Guiné ou ao longo da costa sul-africana. Os contrabandistas, os traficantes de seres humanos e os navios de pesca ilegal não reconhecem as fronteiras nacionais, o que torna a partilha de informações inter-regional absolutamente crucial.
No Centro de Informação Regional em Madagáscar, estruturamos o nosso trabalho dividindo as zonas marítimas de interesse e colaborando com parceiros internacionais, incluindo os de Singapura e da região Ásia-Pacífico. Se um navio for assinalado como “navio de interesse” nas nossas águas atualmente, é fundamental que essa informação chegue aos nossos homólogos noutras partes do mundo.
O seminário reforçou a necessidade de cooperação transnacional para enfrentar estes desafios em matéria de segurança. Senti-me particularmente encorajado por ver os decisores regionais a envolverem-se ativamente nos debates, não apenas como participantes passivos, mas como líderes empenhados numa ação coletiva.
Um dos momentos mais significativos foi a interação entre representantes do Código de Conduta de Djibouti e da Iniciativa de Segurança para África. Em vez de desenvolver estratégias separadas e paralelas, houve um forte impulso para harmonizar os esforços e estabelecer uma abordagem comum de segurança regional. Este foi um grande avanço, pois assinala uma mudança para uma arquitetura de segurança unificada em vez de iniciativas fragmentadas que funcionam de forma independente.
Outra das principais conclusões foi a necessidade de desenvolver políticas regionais mais fortes para combater a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada (IUU). Muitas das nossas comunidades costeiras dependem dos recursos marinhos para a sua subsistência, e o esgotamento dos stock de peixes devido à pesca IUU tem graves consequências económicas e ambientais. O reforço da vigilância marítima e a aplicação de regulamentos mais rigorosos são passos cruciais para resolver este problema.
Além disso, adquiri conhecimentos mais profundos sobre os avanços tecnológicos que estão a ser utilizados na vigilância marítima. Muitos dos nossos debates centraram-se nos sistemas de localização por satélite, nos sistemas de identificação automática (AIS) e na vigilância aérea não tripulada como instrumentos fundamentais para melhorar o conhecimento do domínio marítimo. A rápida evolução destas tecnologias está a mudar a forma como monitorizamos e respondemos às ameaças à segurança no mar.
IE: Qual é a importância desta experiência para si?
SL: Fazer parte desta iniciativa é simultaneamente um privilégio e uma grande responsabilidade. A proteção do transporte marítimo é uma questão que afeta não só os governos e os organismos responsáveis pela manutenção da ordem, mas também as comunidades locais cuja subsistência depende de ambientes marítimos seguros e sustentáveis.
Para as Comores, a segurança marítima está diretamente ligada ao desenvolvimento económico, à sustentabilidade ambiental e à estabilidade regional. A capacidade de trabalhar com peritos de toda a África e não só é uma experiência inestimável que me permite trazer conhecimentos, melhores práticas e recomendações estratégicas para o meu país.
Além disso, estes compromissos permitem-me contribuir para a definição das políticas regionais e assegurar que os interesses das nações insulares mais pequenas, como as Comores, sejam adequadamente representados. É essencial que continuemos a promover a colaboração, a melhorar a governança marítima e a construir um espaço marítimo mais seguro para as gerações futuras.
Aguardo com expetativa a continuação deste trabalho e o reforço das parcerias regionais que irão melhorar a segurança marítima no Oceano Índico Ocidental e não só.